domingo, 24 de maio de 2009

Se todos fossem assim...

D. Simoa Godinha vai a enterrar.
Assim abre este magnífico romance, com uma frase memorável na sua simplicidade directa e pertinente.
Uma frase que encabeça um parágrafo que nos contextualiza logo no tempo em que vamos seguir. Um parágrafo que nos dá conta do ambiente, dos acontecimentos e das reflexões que rodeiam o enterro de D. Simona Godinha.
Admirável a vários níveis esse primeiro parágrafo - demonstração certeira do que nos espera na obra.
Muito bem escrito, escorreito e livre de excessos, mas riquíssimo em detalhes.
Se todos os primeiros parágrafos fossem assim...

Ana Cristina Silva, que na badana vem referida como autora de diversos romances dos quais, infelizmente, nunca tinha dado conta, tem uma verdadeira inspiração neste livro.
A maneira como enceta a história desta mulher, uma recriação romanceada de uma mulher autêntica da qual se sabe muito pouco, é intrigante.
Dona Simoa Godinha confessa-se a uma afilhada púdica e, por isso mesmo, o choque das suas ideias ou as confissões que faz apenas quando ela dorme, caracterizam-na não apenas a ela mas ao próprio século XVI em que viveu.
No leito da morte, é a própria Dona Simoa Godinha que reconta e revê a sua vida.
Que julga e se arrepende, que se orgulha e deixa como aviso à geração que a segue, cada um dos seus actos.
Se todas as vidas fossem assim...

E dessa maneira, em pouco mais de 160 páginas, a escritora visita Lisboa, São Tomé, o século XVI, as considerações morais sobre a escravatura ou as maquinações típicas da poderosa Igreja, sempre de forma rica e verosímil e sem nunca esquecer a surpreendente a admirável personagem central.
Um belo romance, lapidado até à sua melhor forma!
Se todos os livros fossem assim...


















A Dama Negra da Ilha dos Escravos (Ana Cristina Silva)
Editorial Presença
1ª Edição - Abril de 2009
176 páginas

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