segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Cenário definido




Este é um livro com interesse genuíno em integrar o seu cenário, a cidade de Victória, na trama fazendo dela o único foco possível para guiar as ocorrências da matança.
Nesse sentido é um livro bem sucedido que capta a essência da cidade e a torna convidativa, ainda que seja palco de crimes.
A escolha do thriller é deliberada para alcançar esse efeito. Numa tentativa de percorrer todos os séculos - e monumentos que os sinalizam - de História da cidade há um assassino ritualista que pretende trazer-nos até ao século XXI.
A autora consegue combinar as duas intenções com a necessária eficácia, tornando as deambulações pela cidade em algo atraente de ler por entre as cenas de acção.
Essa facilidade vem, também, de uma familiaridade com o modelo do que se lê. A autora, apesar da sua aturada pesquisa quanto ao funcionamento do método investigativo, não evita imitar fórmulas de qualidade - que entretanto se tornaram a norma (quando não mesmo um clichê).
Um primeiro capítulo em que o detective anuncia que no final do relato levou um tiro na cabeça. A salvação sobrenatural que pode não passar de alucinação. A interacção do detective com um prisioneiro (quem sabe se) falsamente acusado mas de superior erudição.
Quando evita estas ideias alheias, a autora mostra que tem imaginação Um detective obrigado a prender um irmão gémeo e assim quebrar uma ligação umbilical ou a utilização de abelhas presas na garganta como arma dão sinal disso mesmo.
O erro da autora está em querer incluir todas as ideias num mesmo livro, o que leva a que nenhuma esteja desenvolvida até ao seu verdadeiro potencial.
O que é grave quando atinge os crimes ritualísticos no centro da trama. Uma tentativa de resumo torna claro como estes estão enredados num excesso de linhas condutoras.
Casais são executados com veneno numa progressão de idades que salta cinco anos - a partir de recém-nascido - em cenários da cidade que seguem o friso temporal. As vítimas também têm de ter apelidos compostos - sinal da sua classe alta. Depois interrompidos por vinte anos, recomeçam com abelhas no lugar do veneno a tempo de anteciparem a saída da cadeia de quem foi acusado dos crimes iniciais.
Ultrapassou-se a complexidade e atingiu-se uma mistura que devia ter sido doseada - e consigo levado os pontos da cidade visitados - ao longo da anunciada trilogia.
Sobretudo porque o género que a autora escolheu, por estes dias, exige finais que superem em espalhafato tudo o que veio antes.
A autora atinge-o com um remate que prolonga o efeito de entretenimento mas leva a fechar-se o livro com o sentimento de credibilidade perdida. Em significativa parte pela perda de um vilão fundamentado.
A autora passou (bem) as páginas a criar pistas múltiplas para complicar a investigação só para obter um vilão a partir de uma personagem deixada por desenvolver.
Ocorre uma surpresa pois nunca houve hipótese de se conhecer o racional do que acontecia. Aquilo que seriam os fios da trama vêem-se como artifícios para prolongar o livro.
O que sobra é a intenção original, fazer de Victória o cenário propício a estas ocorrências ficcionais.
À autora cabe melhor as peças. A sua abordagem aos personagens tem de se elevar à que tem com o espaço em volta. Eles foram formando relações mas apenas os conhecemos de raspão.
Está-se convidado a voltar à Cidade Branca, senão fisicamente pelos livros, agora a precisar de nos deixar uma marca humana.


O Silêncio da Cidade Branca (Eva G. Sáenz de Urturi)
Lua de Papel
1ª edição - Junho de 2018
488 páginas

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