segunda-feira, 20 de junho de 2016

Término

A surpresa do primeiro livro fazia esperar uma evolução de Mary Kubica no domínio do thriller.
A autora tombou para o lado contrário que então se constatava, o romance exagerado até se tornar num melodrama "negro". O lado errado, portanto.
A categoria de thriller psicológico tal como agora está (tão) em voga está mal definida para que possa ser aplicada aos mais diversos livros. Não podem é caber nela livros que de thriller nada têm.
Essa tem sido uma situação cada vez mais recorrente e neste livro atinge o ponto de exaustão - se as editoras publicam tudo o que se partilha uma das características identificadas com o género ou se usam a etiqueta para despachar livros que não sabiam como "vender" é uma discussão a ter numa outra oportunidade.
Entre os principais contributos para tal, a ausência de suspense. Há um mistério porque a informação foi sonegada e a sua revelação é muito esparsa por culpa das variações entre a narradora que fala no Presente e os outros dois cujo ponto de vista está enraizado no Passado - o que também é a evidência de que a autora tem uma única ideia quanto à estrutura dos seus livros.
Decisivo é mesmo a falta de noção de ritmo. A preferência da autora vai para a exploração exaustiva dos elementos que possam transformar uma vida familiar conturbada num tormento e um quotidiano problemático num inferno.
A escrita repetitiva e a linguagem cruel são demasiado exploradas até que deixam de sugerir severidade para se tornarem maçadoras.
A autora está tão decidida a reforçar o tormento da realidade em que habitam os seus personagens que aliena o leitor pelo cansaço.
Personagens que são, elas próprias, encarnações dos males à sua volta. Uma dona de casa frustrada. Um marido misógino. Uma rapariga que a vida maltratou.
São suas as três perspectivas pelas quais a história se conta e são os mesmos estereótipos que vêm tornando estes livros indistinguíveis entre si.
A mulher é paranóica. Com alguma razão pois o marido mostra-se pouco interessado. Embora se descubra que ele não é assim tão mau e que os erros dela vêm do abandono.
Todos os livros como Vidas Roubadas são dramalhões acerca dos problemas de diálogo no seio de uma relação.
Isso toma prevalência sobre temas que são alvos mais lógicos de um thriller psicológico, o que aqui significa dar um lugar secundário à vida da rapariga sem-abrigo com um bebé nos braços até ser socorrida pela mulher que a viu na estação de comboio (e que, claro, ansiava por um filho sem o poder ter).
Não só mais lógicos, também mais significativos. A rapariga, como fica bastante óbvio desde o primeiro momento, sofreu demasiado para a idade que tem. O que, também é já bastante óbvio, significa que sofreu violência sexual.
Como a violência sexual é um recurso cada vez mais usado, o tema tem-se tornado banal e o seu efeito choque perdeu-se.
Banal para os leitores que atravessam a descoberta do sofrimento dos personagens sem hesitação. Igualmente para os autores - e, diria que tal é pior no caso de autoras - que o incluem nos seus livros como mais um dado de caracterização ou um evento a partir do qual podem revolucionar o sentido da sua história.
Deveria haver ponderação adicional quando se envolve uma jovem violada numa história que lida, predominantemente, com complicações matrimoniais e está cheia de elementos inúteis - quando não ilógicos - também de natureza sexual, seja uma decisão intempestiva de fazer sexo com o vizinho do lado ou uma atracção pela colega de trabalho permanentemente referida.
Depois de tanta repetição dou por mim chegado a um término. Com Mary Kubica e, sobretudo, com este estilo de livros que resumiria como o das acções ilógicas de mulheres perturbadas.


Vidas Roubadas (Mary Kubica)
Topseller
1ª edição - Outubro de 2015
336 páginas

sábado, 18 de junho de 2016

Mal intencionada

Perante o regresso de Tilly à pequena cidade onde nasceu o leitor interroga-se sobre as suas reais intenções.
A referência à sua louca mãe, largamente desprezadas pelos restantes habitantes, soa a uma desculpa depois de décadas afastada.
Mais fácil seria levar a mãe daquele lugar de onde a raiva a expulsou e o desprezo agora a recebeu de volta.
Tilly vai ficando deixando-se ser mal tratada. Parece sofrer de masoquismo, sofrendo quando se suspeita que terá a fugir de outra dor.
Se a dor que aquele lugar que lhe desfez a infância é menor do que aquela que a empurrou de volta é uma comparação que o romance só permite fazer demasiado tarde.
Por isso Tilly permanece perante o leitor como uma figura penitente. Até que o romance, não tanto o personagem, precisa de algo mais.
Precisa, sobretudo, que o talento de Tilly entre em acção. Daí que Tilly comece a deixar-se ser usada pelas mulheres da cidade para que lhes confeccione vários vestidos.
Não se trata de uma procura de aceitação, uma crença que o leitor não tem nem vê no personagem.
Tilly investe o seu próprio dinheiro em criar roupa que rivaliza com a das grandes casas de Moda, o que é excessivo interprete-se essa atitude como o exercício do seu talento para que não perca a mão ou como uma afirmação de superioridade contra uma sociedade desinformada na Austrália dos anos 1950.
Os vestidos fazem falta, sobretudo, a Rosalie Ham que aprimora a sua escrita aquando das descrições cujo destaque é ainda maior por entre uma escrita tépida.
O trabalho mantém Tilly na cidade o tempo necessário para que ela encontre alguém disposto a amá-la e ela volte a crer na maldição que os locais sempre lhe atribuíram.
O que na idade adulta parece significar crer que as atitudes alheias a encaminham para um desfecho trágico.
A partir daí o romance assume um tom mais negro onde a dissimulação toma prevalência. Tilly torna-se na tecelã de uma cruel vingança que, quando se confirma, parece desproporcionada e coloca em causa a própria leitura que se faz da protagonista.
Desde logo porque a autora se dedica a escrever capítulos pouco estimulantes sobre a criação de roupas para teatro que não criam expectativa alguma para o final que se esperava ameaçador.
No entanto é-o sobretudo porque o livro termina sem uma ponderação moral de quanto a pequena cidade merece que Tilly deixe todos os seus habitantes sem nada senão os trajes ridículos e abafados que criou para a peça de teatro que levaram a palco.
Não bastando a humilhação que causou, Tilly causa uma destruição completa, até contra o único que a tratou bem, um polícia que admira tecidos excepcionais ainda mais do que ela.
A autora quer fazer crer que Tilly foi tão mal tratada que a sua vingança está justificada. Mas ela tanto foi mal tratada pelas pessoas como pelo próprio destino (ou pela própria autora...).
Um personagem à deriva ao longo do livro. O seu comportamento deveria sugerir mistério de identidade. Ao invés mostra a indecisão que a autora teve sobre o que queria alcançar com o livro.
Falta um verdadeiro antagonismo a Tilly que não passe pelas suas próprias acções. Algo mais substancial do que as figuras com que ela popula a cidade.
Com eles a autora intenta um retrato dos pecados que estavam escondidos debaixo do puritanismo da Austrália rural dos anos 1950.
Para tal bastava ter menos de uma mão cheia de personagens bem definidas e melhor exploradas.
Como a autora quer reforçar o direito da protagonista à sua vingança, ela prefere acrescentar personagens com uma regularidade obsessiva e pouco ajuízada.
Personagens que têm uma presença de pouca duração e que se tornam todas demasiado parecidas visto que não ganham identidade.
A já referida tepidez da escrita reforça esse sentimento como também o faz a falta de imaginação da autora que distribui os mesmos (ou o mesmo tipo) de pecados - sexuais - pelos personagens.
São falhas em demasia no que é, evidentemente, um primeiro livro. O que significa que é mais uma intenção do que uma obra devidamente acabada.
Só a sua adaptação ao cinema justifica que recaia a atenção sobre o livro nos antípodas do seu país de origem, ainda que seja tratado - de forma injustificada - como uma espécie de clássico moderno Australiano.


A Modista (Rosalie Ham)
Editorial Presença
1ª edição - Novembro de 2015
272 páginas

sábado, 11 de junho de 2016

Resultado semelhante

Uma segunda ronda com Rosamundo Lupton depois da desistência perante o Irmã que continua a ser explorado na capa deste seu mais recente livro, não só sendo citado, também levando a um design quase idêntico.
Nenhum problema de consciência perante a decisão de então, apenas uma interrogação sobre a possibilidade de evolução.
Desta vez foi possível passar para lá de umas poucas páginas pois apesar da escrita não ter elementos que mereçam elogios, pelo menos já não depende das marcas para ter tentar ter personalidade.
Pelo contrário, até é através da reprodução de uma conta de Twitter que a autora consegue os (breves) momentos entusiasmantes pela exploração de como as palavras são entendidas pelos sentidos.
Essa é a conta de Twitter de uma menina surda que acompanha a sua mãe ao longo da trama e que é a muleta do livro.
Pertence-lhe a ela o ponto de vista na primeira pessoa - e, portanto, a única voz distinta - que interrompe a omnisciência do narrador.
Ainda assim uma voz pouco coerente, ao serviço das necessidades da escritora e não do próprio personagem.
A miúda de dez anos que, apesar de surda, está numa turma de sobredotados, ora analisa o mundo com uma maturidade de quem caminha rapidamente para os seus dezoito anos, como mostra estados de euforia ou receio em que se manifesta como não tendo ainda chegado ao seu sexto aniversário.
Ainda assim esta opção - como a própria presença da miúda, injustificada - é a que dá algum traço de personalidade a um livro que se alonga demais em elementos supérfluos que o impedem de criar o envolvimento de que necessita.
Não se assumindo, desde o início, como um thriller, o livro precisa que o leitor esteja investido emocionalmente para superar as muitas implausibilidades de que este faz uso.
Nada menos do que acreditar que uma mulher sem experiência consegue conduzir um camião em estradas geladas porque o seu curso de Astrofísica lhe permite compreender o funcionamento da máquina.
Ou que ela levaria a sua filha para tão perigoso ambiente quando vai em busca do marido movida por um pressentimento, ainda que a polícia o dê como presumivelmente morto.
Tudo numa escalada de drama doméstico que se resume como o de uma mãe de uma menina surda que, com medo de que esta tenha de crescer sem pai, parte para resgatar o marido que a tinha abandonado por uma mulher Inupiat.
O livro trata do percurso da mulher em direcção ao local onde o marido estava, dando tempo para explorar a sua relação com a filha e os medos mútuos, além do universo interno da rapariga.
Como isto é pouco interessante, a meio do livro a autora tem de lançar algum perigo que acrescente interesse à situação linear de um personagem a caminho de outro.
Lupton muda a estratégia e leva o drama para caminhos de algo que só com boa vontade se pode chamar suspense, adicionando elementos para lá do interior da cabine do camião.
Por um lado conseguindo ligar o portátil da filha à internet - do interior do camião que se encontra numa região isolada - e, a partir dessa situação, criar uma figura misteriosa que envia emails perturbadores.
Por outro demonstrando um medo da mãe em torno das luzes de camiões que se cruzam com o dela e que poderão estar a segui-las.
Neste momento a autora aponta ao thriller de forma artificial, usando de uma paranóia injustificada para tentar ligar o email bizarro e a suposta perseguição.
Foi esta estratégia ridícula para relançar o livro quando ele já vai a meio, mudando-lhe o tom, que levou à desistência.
Um resultado em tudo igual ao do primeiro livro de Lupton, por motivos diferentes. Embora no limite se possa dizer que a causa é, agora como então, a falta de qualidade da autora.
Larguei-o sem qualquer preocupação de saber o que acontece no final do livro, embora desconfie que seja relativamente fácil de concluir.
Afinal a autora tentou de forma pontual, por via de entrevistas de rádio e discussões em bares de camionistas, introduzir um vilão anónimo: as empresas que se dedicam ao fracking.
Apesar de serem conversas em "pano de fundo", a sua introdução é o contrário de discreta, pelo que me parece uma aposta relativamente segura dizer que a culpa do incêndio que terá morto o marido da protagonista foi causado por uma destas empresas (acidental ou propositado, tanto faz).
Marido que, obviamente, não está morto. Seria imoral que a autora deixasse uma criança surda orfã de pai!
Como ele é um fotógrafo para publicações sobre vida selvagem, terá obtido fotos dos crimes ambientais destas empresas e fingido a sua morte para se sentir seguro.
Seja ou não este ridículo enredo o que o livro seguiu depois da página cento e cinquenta, não há final capaz de compensar o tempo que se perde com Rosamund Lupton.
Da minha parte não voltarei a colocar-me na situação em que tenho de me livrar de um livro dela antes que termine.


O Som do Silêncio (Rosamund Lupton)
Jacarandá Editora
1ª edição - Fevereiro de 2016
296 páginas

sábado, 4 de junho de 2016

Frustrações

Tenho imensa vontade de descobrir autores portugueses de quem possa gostar com firme convicção e a cada livro que me chega renovo a minha esperança.
Embora não me possa sentir traído senão por mim mesmo, os dois livros sobre os quais escrevo aqui desapontaram-me em tudo excepto o design das capas cuja simplicidade atraente mas eficaz é tudo aquilo que os textos que resguardam não são.

No Trilho dos Seis Zimbros é bem escrito ainda que alguns dos contos dependam demasiado de diálogos um pouco livres demais no uso informal da Língua.
O problema dos seus seis contos é que cada um deles é uma história que não resulta em nada de gratificante.
O autor inicia as suas histórias sempre de forma familiar. Não só cenários quotidianos ao entendimento como cenários já presentes em muita ficção em vários meios.
A expectativa é sempre que o autor tenha uma ideia original para rematar o texto, surpreendendo o leitor que se limitou a reconhecer os caminhos mais habituais.
O autor não tem essas ideias originais, limitando-se a ir de encontro ao que é lugar-comum perante a construção feita.
Pior, há textos que nem chegam a um clímax para a história que lhes cabe contar. Não uma resolução extraordinária, apenas um momento de elevação que justifique o esforço de criação.
No início do livro até há vários elogios - de amigos, crê-se - acerca da oralidade e do talento de contador de histórias.
Quem o oiça poderá ser beneficiado pela entoação e pelo ritmo que melhoram as histórias, mas pela via da palavra impressa o autor apenas consegue frustrar quem lê.

A Cruz do Assassino inverte o problema do livro de António José Alçada. O interesse da novela policial não está em causa, o problema é conseguir resistir à sua linguagem.
No Prólogo até se dá o caso do protagonista falar do escritor como sendo quem transforma a sua narrativa num texto com a devida organização. E mais do que isso, com uma escrita que pretende escorreita mas nutrida da erudição ao seu alcance.
Ao leitor esse aparece como um meritório objectivo. Mau é que esteja negado logo nas páginas seguintes.
O autor não consegue abdicar das palavras que estão em excesso. Sejam elementos redundantes para as descrições, sejam expressões que contextualizam de forma demasiado meticulosa.
Ao fim de três páginas tem-se logo uma primeira quebra de ligação ao livro, com tantos parágrafos para dar conta de algo que ocuparia uma só página.
A partir daí o esforço é para superar o incómodo que a escrita vai causando, um elemento de permanente desconexão.
O esforço vai incrementando de intensidade pela sua repetição e há um momento em que a resistência se esvai.
Querendo saber como a história termina e perante o tempo já investido, desistir de continuar a leitura é a derradeira frustração - ainda que, ao mesmo tempo, libertadora.


No Trilho dos Seis Zimbros (António José Alçada)
Esfera do Caos
1ª edição - Fevereiro de 2016
104 páginas


A Cruz do Assassino (Paulo Bicho Garcia)
Esfera do Caos
1ª edição - Outubro de 2015
104 páginas