domingo, 31 de maio de 2009

A forma do conteúdo


Dá-se um caso estranho com A Virgem, que é na verdade uma espécie de director's cut que Luís Miguel Rocha agora lança de Um País Encantado.
Esse estranho caso prende-se com a relação confusa e errónea que gera a sua apresentação - capa, sinopse e título - com o seu conteúdo.
Lê-se na sinopse que A Virgem dá-nos conta do Portugal moribundo... na década de trinta., o que é verdade para este volume, mas não para o romance (completo) em si.
Afinal de contas, os volumes seguintes falarão do final da década de quarenta e dos meados da década de cinquenta.
Parece-me que o problema maior é o da confusão entre um projecto que se inicia e um livro concreto a vender.
Embora no exterior nada se anuncie, na folha de rosto está lá explícito que se trata aqui do Livro 1, ou seja, uma parte apenas de um romance maior, esse sim chamado A Virgem. Talvez fosse recomendável fazer com ele o que Proust fez com o seu Em Busca do Tempo Perdido e nomear cada volume no seio do título maior.
O problema é que foi preciso vender este livro, concretamente, como objecto único e, teoricamente, independente.
Daí que na sinopse se leia também ...o abuso de poder de alguns grupos priveligiados se passeia... com a cumplicidade silenciosa da Igreja., uma possibilidade que deverá ser verdadeira mas que aqui mal se intui numa passagem breve. Na prática, dá-se ao possível leitor uma ideia errada do que esperar deste livro.
Não admira, portanto, que à época, a Planeta Editora tenha dado a este livro outro título, porque o título que o autor sempre lhe quis dar não era justo nem lógico.


E continua a não ser, da forma que é apresentado. Ninguém poderá negar que A Virgem, quando considerada par a par com a sinopse, e por extensão com esta capa, não cumpre com as expectativas geradas.
Uma capa que é luminosa e atraente, mas que reforça uma ligação com a religião que não está tão presente no livro como se suspeita.
O subtítulo nem sequer parece lógico depois de lido o livro, apesar de uma ida a Fátima ou de um encontro entre o (de certa forma) protagonista e um cardeal.
Aquilo que aqui aconteceu foi um desfasamento entre o produto e o livro, entre a forma e o conteúdo.
Não será de excluir que muitos leitores se sintam enganados no processo, ainda que não queiram - ou, pelo menos, eu não queira - acreditar numa intencionalidade do acto.
Não direi, até por falta de conhecimento de causa, que a edição é um negócio fácil, mas que é preciso ter cuidado com aquilo que se faz, é sem dúvida, com perigo de alienar leitores que se prentendia conquistar.
A gritante preguiça - ou pelo menos o facilitismo - não são desculpáveis quando se trata de consolidar um projecto que, apesar de lidar com material antigo, é novo e assim deve ser encarado. Mesmo que isso seja feito para facilitar o processo de edição.
Afinal de contas, muito se resume a um reaproveitamento mal pensado, dado que a sinopse deste romance foi directamente recuperada da edição anterior, como poderão ler aqui.
Esse lapso, pequeno, de que muitos leitores não dariam conta, permite toda a análise feita acima e isso só é prejudicial à própria obra!

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