domingo, 11 de outubro de 2015

Só se for anjinho

Mais uma daquelas histórias que formam teorias da conspiração em torno de uma mescla de elementos religiosos, arqueológicos, científicos e místicos, que consoante a imaginação do autor farão maior ou menor sentido aglutinados.
Javier Sierra parece conseguir unir os pontos todos ainda que eles estejam tão afastados quanto agências de serviços secretos e uma raça de anjos banidos para a Terra ou uma mulher com poderes místicos e velhas fotografias Russas da (suposta) localização da Arca de Noé.
Ele compõe tudo isto de forma a parecer coerente dentro dos seus absurdos pressupostos, o que é um feito mais limitado do que parece.
Problemático é o sofrimento a aguentar para descobrir isso: a execução do autor é péssima.
Recorre à constante mudança de perspectiva para manter o leitor na ignorância e assim escusa-se a encontrar as devidas ferramentas para um thriller - que este livro não é!
As perspectivas soam sempre ao mesmo, um narrador quase omnisciente de cada situação em que o personagem que lhe serve de ponto de vista está inserido.
Falta ao autor um sentido de ritmo que faça valer a trama como mais do que um esquema para descrições dos factos verídicos em torno dos quais ele ficcionaliza.
Essas descrições são interessantes mas raras vezes estão bem integradas na corrente de leitura, ao invés surgindo em situações forçadas que se tornam em palestras.
Um desses absurdos casos é o do casamento dos protagonistas em que o noivo chamou o seu clã para explicar à noiva a sua história - e como ela se integraria nela daí para o futuro.
Esta é apenas uma das situações em que ela é usada pelo marido para que ele atinja os seus fins sem que ela reaja de forma séria.
No final ela consegue mesmo convencer-se de que ele lhe deu uma experiência religiosa por puro amor ainda que ela tenha sido escolhida e seduzida para uma relação que servirá para ele (e os outros anjos) a treinarem de forma a que o seu poder os envie para casa ficando ela abandonada.
Uma de apenas algumas manipulações que tornam os personagens e a trama idiotas. O que por sua vez destrói qualquer curiosidade que os factos despertam.


O Anjo Perdido (Javier Sierra)
Planeta Manuscrito
1ª edição - Outubro de 2011
462 páginas

terça-feira, 6 de outubro de 2015

E Marte aqui tão perto

Andy Weir teve uma ideia radical e interessante para uma história e levou-a ao limite das possibilidades.
O que significa que verificou todas as possibilidades científicas de superar os problemas mais e menos óbvios de que se conseguiu lembrar como aqueles que afectariam um ser humano isolado em Marte.
O autor alcançou algo no limite entre a satisfação dos sonhos de ficção de nerds da Engenharia Aeroespacial (e não só) e uma das respostas mais consistentes a desafios de especulação científica.
Terá sempre o interesse de uma que é educativa, ainda mais do que da Ciência em causa, do limite da raccionalidade que o alguém pode colocar ao serviço da resolução de problemas que para a maioria dos seres humanos nem sequer são possibilidades.
A obsessão de Andy Weir com a precisão da execução do seu personagem e com os limites das combinações que estão à sua disposição é o elemento que lhe dá força.
Isso ajuda a sustentar o livro só que, no restante, fica óbvio que Andy Weir não é um escritor, ainda que seja capaz de um bom trabalho de precisão a cada passo.
Pois se o foco desta história de sobrevivência é muito cerrado, pelo menos o autor sabe em certos momentos trazer à tona questões sobre a valia intelectual das decisões tomadas nos programas espaciais - não só dos Estados Unidos da América.
Apesar disso, a história é excitante até certo ponto e depois torna-se monótona. O seu perfil de folhetim não foi retrabalhado em livro e depois da novidade passar fica uma abordagem com um único truque para apresentar.
A cada novo capítulo um novo problema para enfrentar. Após cada sucesso um subsequente desastre que o coloca em perigo.
A narrativa avança em solavancos sem que se crie uma credível eminência de morte para Mark Watney.
A própria formulação do livro impede que se acredite noutra hipótese que não a de que o protagonista sobreviverá. Cada novo problema limita-se a adiar a descoberta da forma como tal será conseguido.
Weir incluiu momentos de humor que aligeiram o estilo carregado do livro e que dão alguma personalidade a Watney, sem que isso chegue para investirmos nele.
O sentido de aventura em que ele é a engrenagem central é que nos guia. O resto não será decorativo mas não faz da descrição técnica um trabalho literário.
Mesmo porque, perante a envolvência na verosimilhança deste unvierso de Ficção Científica, há momentos em que somos levados a rejeitar os acontecimentos pelas opções estruturais tomadas pelo autor.
Algo que deveria ter sido revisto na transformação do folhetim em livro, pois o autor ficou prisioneiro da estratégia inicial de relato diarístico.
Talvez o exemplo mais óbvio de tal, até por acontecer já perto Quando Mark Watney capota o seu veículo e fica de cabeça para baixo para, de imediato, começar a escrever no computador de bordo para explicar o que aconteceu no acidente que acabou de vivenciar.
Sendo importante para as limitações que Mark enfrenta que ele só possa registar os métodos da sua sobrevivência por escrito, torna-se muito estranho que este tenha muito mais de expressão oral do que da precisão escrita de relatório científico.
Estamos pois perante uma obra que nos aproxima da ideia de sobreviver em Marte mas que está muito longe de ser um livro à altura de tal feito.


O Marciano (Andy Weir)
Topseller
1ª edição - Maio de 2014
384 páginas