domingo, 11 de agosto de 2013

O homem que "quase"

Os Monty Python na sua abordagem ao Santo Graal tinham um Sir Robin que era a personagem que quase lutara com o Dragão de Agnor, que quase enfrentara a Galinha de Bristol e que quase se mijara pernas abaixo na batalha de Badon Hill.
O homem sobre quem Jô Soares agora escreve é o seu equivalente no campo da anarquia política mundial do século XX.
O homem que quase matou o Arquiduque Francisco Fernando, que quase perdeu a virgindade com Mata Hari, que quase safou Al Capone de acabar na prisão...
A sua vida é feita destes maravilhosos quases, dos quais ele não fugia, antes se via incentivado a procurar outro quase a que aceder.
Claro que ele nunca desejou ficar-se pelo quase, mas certamente que ter tido sucesso teria impedido que ele persistisse e orbitasse todos esses grandes momentos da História.
Até aquilo em que ele é bem sucedido - e pelo que ele é protagonista deste livro - é um sucesso que é um falhanço.
Pensando nas muitas acções empreendidas por  Dimitri Borja Korosec ao longo dos anos, o seu único sucesso a ser contabilizado é mesmo uma "invenção de merda". Uma forma de comunicar entre celas de prisão através da tubagem das sanitas, implicando que qualquer descarga do autoclismo interrompia o sistema.
Jô Soares gosta de encadear a História e olhar para os falhanços. São, não só mais humorístico, são mais humanos.
Os absurdos que preenchem esse lado da História que não conta para ninguém - a não se, eventualmente, para os próprios intervenientes, ou não haveria um diário do protagonista para consultar - torna a realidade extraordinária por envolver esses episódios extraordinariamente absurdos.
Por cada assassino que acerta há dez que falham de forma ainda mais exuberante.
Que um único homem possa, então, ter falhado sozinho por tantas vezes e contra o seu destino - nasceu com dois polegares em cada mão que o tornavam num atirador ainda mais exímio que os seus companheiros - é ainda mais assoberbante... mas também excitante de seguir e delicioso de gozar.
Ele atravessa a linha do trágico para chegar de novo ao cómico.
Como não poderia deixar de ser quando o seu jurado arqui-inimigo é um assassino anão com tendência para voar de janelas de comboio.
São estas as personagens extraordinárias que só a ficção pode resgatar ou acrescentar à História, que detalha sempre os sucessos.
Mas os sucessos são pontuais - mesmo se são eles a afectar a História de forma definitiva - enquanto os insucessos marcam o quotidiano sem qualquer descanso.
D'O Xangô de Baker Street para este livro, nota-se que Jô Soares se tornou mais escritor - a narrativa tem mais coesão - sem perder o mais puro da sua condição de humorista.
O falhanço parece ser aquilo que Jô Soares mais reivindica como matéria para ser um humorista "por escrito". E assim está à vontade para brincar com a realidade sem a desrespeitar.
Tal como o Brasil é o local que melhor lhe serve para ser cómico e terno ao mesmo tempo - é lá que os melhores momentos deste romance acontecem.


O Homem que Matou Getúlio Vargas (Jô Soares)
Editorial Presença
2ª edição - Abril de 2013
256 páginas

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