quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Aventura suficiente

A leitura de uma banda desenhada de aventuras tem sempre a capacidade de criar um momento de abstracção que causa um certo prazer.
Esse momento não impede que nos momentos posteriores a análise não possa ser baseada unicamente nesse estado de indiferença a todos os contextos.
Os Piratas do Deserto é uma aventura que se lê velozmente, apesar do seu tamanho e de funcionar através de duas opções narrativas muito distintas (se não mesmo incompatíveis de forma coerente).
São elas os momentos de "acção", velozmente desenhados e muitas vezes sem qualquer diálogo, e os momentos de descrição e narrativa, onde os desenhos servem de suporte ao muito texto.
As transições entre ambos, não sendo demasiado abruptas, lá permitem que a leitura não se torne numa espécie de entrada e saída entre dois livros completamente diferentes.
Mas se há algo que as mantém unidas é a interessante composição das pranchas que mantém uma certa fluidez geral.
Essa fluidez compensa o muito texto que parece ser aquilo que é mais valorizado pela obra, uma homenagem sincera a Emilio Salgari. Se o texto não é a transcrição do original, será muito fiel ao mesmo.
A leitura desse texto leva à recuperação de leituras de outros tempos em que a dedicação aos textos de aventuras era mero prazer despreocupado com a sua maior ou menor qualidade.
Até porque o texto é o que, por sua vez, ajuda a esquecer as muitas imperfeições do desenho, ainda que este tenha um estilo bem adaptado ao género, em boa medida herdeiro de Hugo Pratt (que também adaptou Salgari a Banda Desenhada).
O desenho sofre de ser pouco preciso dentro de uma mesma cena. Tanto por existirem incoerências entre vinhetas - sobretudo no movimento ou posicionamento dos corpos - como por o desenho ter inconsistências de estilo.
Um estilo que não tem a ver com a sua evolução com o tempo, mas que dentro das cenas varia entre o detalhado - com enorme dedicação à oposição entre o branco e o preto - ao despachado - limitado a traços e sem cuidados com o detalhe.
Creio que de tudo isto resultaria uma ideia de equilíbrio médio de uma obra com falhas e proveitos para todos os gostos. Uma espécie de nota de "suficiente".
No entanto a opinião transita para um tom mais negativo devido à impressão final da obra, que acaba por ser especialmente forte.
Depois das muitas e preenchidas páginas que ficaram para trás, cento e cinquenta páginas de laboração lenta da história, as últimas quinze parecem particularmente apressadas.
Como se estas estivessem dependentes de se aproximar o número limite de páginas para este livro e não do final poder ser explanado de forma menos brusca na muita acção que, de novo, ali comporta.


Os Piratas do Deserto (Fernando Santos Costa)
Edições Asa
1ª edição - Agosto de 2012
176 páginas

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