sábado, 27 de agosto de 2011

Um fim a que voltar

Como diversos dos melhores livros que já deveríamos ter lido há muito sem saber porque tal não aconteceu, O Fim do Sr Y esteve comigo durante mais de um ano até que a pessoa a quem pertence me interrogasse pela sua devolução.
Nessa altura comprometi-me a ler o livro sem mais demoras e agora mal posso esperar por o reler. É um desses livros que não se esgota senão quando a nossa capacidade para nos abrirmos às suas ideias.
Um exemplo simples é o nome da protagonista, anagrama de I AM NOT REAL, informação que é como os grandes twists finais de Hitchcock que só nos adoçam o segundo visionamento do filme na busca dos detalhes significativos.
Este é um trabalho de uma imaginação extraordinária, repleto de reminescências de outras obras que merecem o nosso apreço, mas trabalhando-as até serem um todo que supera um somatório de reconhecimentos e referências.
A Fenomologia de Martin Heidegger, a militarização new age (ver aqui), o sobrenatural Gótico, a Alta Ficção Científica de H.G. Wells a Arthur C. Clarke, a realidade consciente de The Matrix... Estou só a citar as evidentes para não me precipitar em erros sobre temas que ainda não aceitei estarem ou não lá.
Convém entrar uma primeira vez despreparado no romance e uma segunda vez com a pesquisa feita em todos os domínios em que detínhamos falhas.
A vez a seguir (e, se calhar, mais uma ou duas ainda) já será para comparar os nossos argumentos contra os da narradora.
A partir daí, talvez possamos voltar apenas para apreciar a criação e a composição de Scarlett Thomas.
Seja como for, temos de voltar ao livro, isso é inevitável. Mesmo assim nada garante que saibamos ler todos os sentidos do livro e da sua enorme reflexão.
Porque isso é o livro, sem que notemos, num cenário tão bem inventado que o disfarce é parte do prazer.
O livro tem algo de aventura erudita enquanto se lida com o livro dentro do livro e algo de thriller ideológico em vez de físico.
Mas é a colisão interrogativa de assuntos - filosofia criada no processo de descoberta ou experimentação em sabedoria aventurosa, nem sei bem como lhe chamar - que o livro se faz, nos enriquece e se eterniza.
Brilhante é o que me apetece dizer, mesmo com o risco da proximidade afectiva da leitura me possa estar a afectar o juízo que lhe faço.
Sobre os elogios ao livro, apenas ainda não estou certo se o epílogo os merece. É demasiado evidente no caminho para o qual nos leva. Mas com um dos regressos ao livro, espero conseguir tirar uma conclusão.


O fim do Sr Y (Scarlett Thomas)
Bertrand Editora
Sem indicação da edição - Junho de 2008
432 páginas

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