Há que reconhecer que Antes de Adormecer faz uso de uma brilhante estrutura que reduz o tempo real da história a um mero dia enquanto consegue alongar o tempo estrutural da história a vários anos.
Estamos no momento essencial para se desvendar a trama dado que isto é um thriller dependente do momento em que a sua protagonista adormece, mas a introdução do diário mesmo a meio do livro alonga a experiência do leitor através dos olhos da vítima.
As revelações estão sempre dependentes de como ocorreram para Christine ao longo dos dias em que tomou nota das poucas memórias que vai tendo, mas acabam por acontecer em catadupa, umas vezes contradizendo-se outras ficando desconexas.
É um efeito da memória fragmentária muito conseguido em livro, dado que a personagem não conhece nada do que está escrito e tem de se familiarizar com toda a realidade em poucas horas, antes que adormeça e, eventualmente, se esqueça de tudo isso novamente.
O leitor está nas mesmas condições desta personagem e se a ideia é criar uma relação entre os dois, nada melhor do que tal técnica quando se trata de um thriller.
Não se trata apenas de frustar a ânsia do leitor em busca de respostas rápidas, mas trata-se de criar o sentimento de repetição cansativa e que causa o fechamento da mente sobre as considerações relativas à vida de Christine e não sobre o eventual mistério que está por desabrochar na sua plenitude.
O leitor é chamado a olhar para um lado através de um efeito essencial de imersão do único ponto de vista narrativo possível, enquanto as ocorrência maiores se resguardam .
O que isso também nos dá é um drama bem conseguido sobre uma personagem com características únicas, algo que está para lá de géneros literários e só beneficia o livro.
Já a forma como S. J. Watson avança para a resolução da trama é mais fraca do que deveria. Com um leque reduzido de personagens e hipóteses, mesmo com uma ou outra boa tentativa fazer a mente do leitor divergir naquela natural paranóia de cobrir todos os ângulos e descobrir o final do livro antes de lá chegar, não há muitas hipóteses de falhar no momento de determinar quem é o grande culpado e porquê.
E a grande cena final, um confronto ao género de filme, é mesmo o elo imaginativo mais fraco do livro que se fica por ali sem saber depois sugerir as dimensões mais perturbadoras do que está para vir.
Não é causa para deixar de ler o livro, apenas para se esperar que, numa próxima tentativa, a excelente ideia do autor para o miolo do texto tenha a devida correspondência nos momentos entre os quais fica suportada.
Antes de Adormecer (S. J. Watson)
Civilização Editora
1ª edição - Maio de 2011
344 páginas
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