quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Desconchavado

Um homem teve cinco mulheres, todas elas arquétipos do que está em falta no bom homem - também um arquétipo, que o nome Adriano Gentil bem traduz - seja o afecto da mãe quando miúdo, seja o desejo sexual quando velho.
Um homem tão bom amou sempre os arquétipos (leia-se esposas) por igual -  por ordem: lindíssima mas fria na cama; organizada até ao último fio de cabelo mas tresloucada na cama; um furacão de energia sedutor mas extenuante na vida comum; a perfeita devota do seu santo homem mas que se abandona porque o aceita calada; e a cabeleireira de carnes vivas em licra berrante mas sem refinamento que lhe valha.
E com tanto amor achou por bem garantir-lhes um fim de vida igualitário e comum em que devem gerir a herança em conjunto.
Apresentadas que são as mulheres e as respectivas relações - é, pelo menos, metade do livro - entra em cena o retrato de grupo no feminino, aguçando a promessa bem francesa (culpe-se Jacques Demy ou François Ozon) do melodrama .
O autor lá caminha para os exageros dramáticos tão ansiados, mesmo se trai a montagem livrando-se sem savoir faire de personagens que não lhe servem os propósitos, oferecendo o crime de faca e alguidar (não tem, nem poderia ter, outra designação) tão anunciado com engenho mas pouca graça.
Quando o crime se desenrola até ao final possível, estamos pouco convencidos, mas depois chega um inesperado Post Scriptum que se faz diferente mais do que faz diferença.
Surpreende aí o livro porque termina com a assombração da vida feminina - vá, da vida humana - que deve algo a Edgar Allen Poe mas que não deve nada ao que ficou para trás.
O melhor do livro é a sua ideia final, a reinvenção tenebrosa da realidade idosa nacional, que é um corte total com a croniqueta de vidas conjugais pouco maduras.
Que tão bom final esteja num livro que aponta a todas as direcções excepto essa deve ser culpa de um autor apaixonado pelas suas ideias e que não soube descartar o frívolo que tanta vontade tinha em descrever.


As herdeiras de Adriano Gentil (José António Saraiva)
Oficina do Livro
1ª edição - Junho de 2006
196 páginas

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