quinta-feira, 17 de junho de 2010

Muito mais que cabras

Acaba-se de ler este livro e nem se sabe bem o que verdadeiramente havemos de reter dele, não porque seja disperso mas por ser inesgotável.
Esta reportagem sobre um dos mais absurdos empreendimentos humanos, sobretudo tendo em conta que parte do interior do exército americano, faz um retrato lato e complexo mas subreptício da condição humana.
Basta olhar como todo o projecto do exército de guerreiros jedi parte do interior do exército mais poderoso do mundo, um mundo de seriedade que à conta da derrota no Vietname busca uma redenção espiritual que lhe permita vencer a guerra sem a lutar, apenas encantando os inimigos que se lhe apresentar. Um contra-senso feito de música apaziguadora, ofertas e olhares de encantamento.
Um contra-senso que acaba, eventualmente, desfeito e transformado na essência da instituição que a contemplou, uma arma bizarra e incerta, motivo de piadas e de uma perseguição jornalística que fica como uma cómica epopeia.
Todo o projecto, uma forma de pacificação espiritual global revela-se ao longo dos anos uma forma de absurdo em todas as suas formas. Os super-poderes outrora pensados como capacidades inatas (e, daí, razoáveis) ao ser-humano e geradoras de um maior entendimento de si mesmo e do outro, tornam-se, a nível individual, na obsessão de quem corre sistematicamente contra uma parede tentanto atravessá-la, de quem gasta três dias a olhar para um hamster até o matar ou de quem prevê e anuncia ao mundo o fim do mundo numa base quase diária - independentemente de falhar numa base também tão sistemática. Mas a nível colectivo tornam-se na motivação para melhor perturbar e causar dano ao outro.
O exército perdeu o seu rumo quando foi derrotado e procurou uma forma atípica de se perdoar. Foram momentos de catárse, humana e institucional, que passaram quando a consciência do que a instituição representa voltou ao de cima.
A partir de um ponto tão pequeno, toda a ramificação da realidade a partir daí ganha em complexidade e em imaturidade - ou inocência, dependendo do cinismo pessoal do leitor - e, daí em diantes, só o absurdo é possível.
Aqui trata-se de olhar os homens e as suas crenças, os homens e os seus logros, os homens e as suas ilusões.
Ninguém, nem o exército americano, se livra da necessidade de esperança mas também ninguém, nem o exército americano, se livra de arruinar tal sentimento.
São muito mais do que as cabras que aqui interessam, são realmente os homens que para elas olham.


















Homens que matam cabras só com o olhar (Jon Ronson)
Civilização Editora
Sem indicação da edição - Janeiro de 2010
232 páginas

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