segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Um truque de um policial

O que há para além de um título que parece um truque de marketing para programar uma colecção de policiais com vinte seis títulos obrigatórios?
Para esta questão julgo que a resposta primeira é a de que a série é protagonizada por uma investigadora privada, profissão menos habitual para as mulheres protagonistas que costumam estar ligadas à polícia ou serem meras diletantes.
Depois tem de vir o policial comme il faut para que se comece a acreditar em que há algo mais do que duas ideias a tentarem vender livros.
O início é “tremido”. A narradora apresenta-se como mulher duplamente divorciada mas cheia de amigos, que gosta de viver em espaços reduzidos mas que passa o tempo a viajar de um lado para o outro. E que acaba de matar alguém pela primeira vez na sua profissão mas ainda não sabe bem o que sentir.
Isto tudo bem na forma de uma espécie de recado dactilografado que também avisa que a investigadora escreveu dois relatórios de linguagem seca, um para a polícia e outro para os seus arquivos.
A apresentação através de composição da primária é forçada a abrir o livro. Parece mais sinal de preguiça de quem quis despachar a construção da personagem para depois não se preocupar com os detalhes de personalidade ao longo do livro.
A revelação de que matou alguém é um truque desnecessário que não aguça mais o interesse à conta disso, nem origina nenhuma inovação narrativa pois para a forma como o relato começa é como se o recado nem sequer existisse. O seu único efeito real é estragar os eventos do último capítulo quando se dá o confronto que resolve uma parte do que está a ser investigado.
Ainda assim, essa é a revelação menos importante do livro. A verdade sobre o caso a ser investigado, pelo menos a verdade “maior”, está resolvida a meio do livro.
As grandes pistas que colocam o leitor em alerta são reveladas sem nenhuma cautela, com linguagem denunciadora que as torna impossíveis de ignorar.
Só a protagonista é que não dá com elas e a razão é a que contraria a boa ideia de criar uma investigadora privada: ela anda seduzida pelo homem de quem deveria suspeitar.
Não é que os grandes detectives privados não se tenham envolvido com umas quantas femmes fatale, mas mantinham alguma desconfiança porque há sempre pistolas que cabem numa mala de mão!
A investigadora com uma dedicação à profissão que rivaliza com a de qualquer homem criado pela ficção é, afinal, uma mulher solitária sujeita às suas hormonas e ao desejo de não acabar sozinha - pelos visto não conta que aos 32 anos já se tenha divorciado duas vezes e não goste de ter uma vida fixa.
Sue Grafton é mulher mas não deve ser feminista ou não humilhava assim uma mulher que criou para se afirmar num mundo habitualmente masculino.
Volto à pergunta inicial para lhe responder em definitivo. A resposta primeira é, também, a resposta única e uma que se dá à força de bastante boa vontade depois de ver o que o livro faz com essa “inovação”.
Tenho comigo o segundo volume da saga e a minha intenção de lê-lo de seguida desapareceu por completo. Aliás, a minha intenção de lê-lo.
Como ainda não acabei de dar vazão ao muito mau humor gerado por esta leitura, ainda tenho mais um parágrafo a acrescentar sobre a segunda letra do alfabeto a que se dedicou Sue Grafton. Se bandoleiro era demasiado rebuscado para a tradução de "B" Is for Burglar, pelo menos bandido tinha uma relação genérica mas fiel ao original. “B” de Busca é preguiça da tradução a juntar à da autora!


"A" de Alibi (Sue Grafton)
Bertrand Editora
Sem indicação da edição - Abril de 2010
220 páginas

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