segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Realidade policial

O relato sobre o roubo do La Joconde começa no estilo que só a França poderia proporcionar: um crime fantástico ocorrendo por entre a serenidade geral.
Era um período inocente em que o país confiava no estatuto da Arte para precaver qualquer crime, deixava os seus quadros serem levados da parede sem qualquer pedido ser necessário e admirava as paixões dedicadas pelos artistas mais excêntricos aos seres dos quadros.
O roubo ocorre deixando um rombo no prestígio e na confiança de Paris e do Louvre mas não há tempo para receio sobre o destino do quadro quando nos envolvemos no policial em que a personagem central é sedutora e vítima, mulher e quadro
A obra estava esquecida, amada apenas por alguns poetas que lhe deixavam flores. Era uma mulher extraordinária para uma mão cheia de homens sensíveis mas era um quadro menosprezado pelos artistas emergentes.
Depois de roubada tornar-se-ia na imagem mais vista em todos o mundo e viria a tornar-se num mito sem igual.
O relato é sobre este roubo e esta transformação. O roubo de La Joconde tornou-a no ícone que é hoje.
A sua falta no Louvre tornou-a na obra que todos os olhos reconhecem mesmo se nunca saíram da sua aldeia natal no Perú.
Um relato detalhado que cobre todas as hipóteses e todos os desenvolvimentos, mesmo os que surgiram décadas depois.
Sendo um relato aprofundado sobre o roubo, há uma secção do livro que diverge para informação importante sobre Picasso e Apollinaire devido ao seu envolvimento nas peripécias legais que se seguiram ao roubo.
Informação que aprofunda o entendimento de quem eram aqueles homens e do porquê de agirem da forma que agiram no contexto do caso.
Aí o livro perde o foco, uma inevitabilidade para um relato que supera a mera peça jornalística. Mas, mais importante do que isso, o livro perde uma oportunidade.
Os dois homens pouco acabaram por ter de relação directa com o roubo do quadro (que se saiba...) e, por isso, seria mais importante que a autora explorasse o que está logo abaixo da superfície.
A inocência de um Velho Mundo - com a França, ainda e sempre, a representante maior - crente no poder dos valores palpáveis da Arte como elemento fundamental de identidade e respeitada acima de tudo o resto como algo maior do que o Homem; contra a ferocidade exploratória do Novo Mundo - pela mão dos inevitáveis Estados Unidos da América - sedento de entretenimento e reclamando a posse individual do património geral.
Este relato do roubo do que era um quadro parcialmente esquecido e é agora o quadro mais famoso do mundo é o nascimento do noir quando os seus personagens ainda eram inocentes para assumir tal exercício policial contra um roubo repleto de cinismo, algo que os jornais internacionais acabariam por explorar a fundo desde logo e ainda durante alguns anos mais.
O livro de R. A. Scotti - uma forte surpresa, apesar de tudo o que eu possa ter apresentado em contrário - é quase um exercício de realismo em ficção policial. Só que essa descoberta só chega no final do livro e, talvez por isso, ficou por ser explorado.


Mona Lisa desaparecida (R. A. Scotti)
Casa das Letras
1ª edição - Julho de 2010
260 páginas

1 comentário:

  1. Olá Carlos,

    Este é um livro que quero muito ler e pelo teu comentário parece ser o que estou á espera. Quando um livro tem realismo misturado com suspense e uma boa escrita é o que mais aprecio. Da autora quero também ler "Os segredos da Basílica de S. Pedro". São temáticas que venero.


    Já agora aproveito para dar-te os parabens pelo excelente blogue!


    miguel
    silenciosquefalam.blogspot.com

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