sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Talento intemporal

Bastou ler este livro uma vez para colocar Michael Chabon entre os meus autores favoritos, aqueles autores que têm um lugar especial entre as prateleiras lá de casa.
O tema, a idade de ouro da banda desenhada americana, ajudou. Foi esse o primeiro motivo que me levou ao livro.
O meu fanatismo pela nona arte - uso o termo por hábito, embora tenha dúvidas sobre a ordem dada por Ricciotto Canudo e sobre o seu prolongamento, até porque em mais do que um caso vem sendo reinvindicada esta posição em particular para a Gastronomia - deu-me o motivo para chegar à obra e a expectativa de me apaixonar rapidamente por ele.
Porém não me deu o entendimento para o que poderia estar prestes a descobrir - certamente na altura não fazia ideia, por desinteresse, do que é ou do que representa o Prémio Pulitzer.
O livro de Chabon revelou-se magnífico na altura e revela-se magnífico hoje.
Relê-lo hoje foi descobrir novas maravilhas em passagens que anteriormente tinham ficado escondidas pela força de outras.
Relê-lo hoje é verificar que os personagens ainda guardam traços que estão para lá da imagem que guardei deles.
O que, por outro lado, nunca foi esquecido e que nunca deixará de funcionar maravilhosamente é a profundidade dramática de Chabon num cenário que prometia ser mais adequado a um divertimento e a sua ambição na construção de um livro que seja, tanto pelo conteúdo como pelo estilo, um pedaço das décadas sobre as quais escreve.
Mais ainda, a pura criatividade e talento literário de Chabon colocam no livro algo que, longe de ser fundamental, lhe dá um fascínio maior. Falo dos capítulos praticamente autónomos - reli-os isoladamente ao longo dos anos - em que ele descreve os personagens e as histórias de banda desenhada que os seus próprios personagens criam ao longo do livro.
E a forma como ele o faz, com a delineação das palavras a conseguir o que nenhum grande artista seria capaz de recriar - basta comparar esses capítulos com os comics publicados pela Dark Horse.
Este livro ficará inscrito na História literária, acima de tudo pela sua qualidade, mas igualmente porque o seu retrato fulgurante da cultura popular de meados do século XX será parte da forte memória que a ficção lança para o futuro.
A banda desenhada americana tem influência no percurso americano, os bastidores da sua criação são tão importantes como as efemérides do surgimento dos super-heróis nas suas páginas.
O tema do livro poderá parecer incomum e uma escolha estranha para os leitores de grande exigência que não estão familiarizados ou desacreditam a banda desenhada, mas o tema não estará longe de ter a mesma relevância para o século XX como as guerra Napoleónicas tiveram para o século XIX.
E não me parece difícil que, no futuro, a obra monumental de Chabon possa ser vista numa perspectiva semelhante à de Tolstói.


















As espantosas aventuras de Kavalier & Clay (Michael Chabon)
Gradiva
1ª edição - Abril de 2003
672 páginas

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