quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sangrar culpa

Desenhado com uma certa anonímia que permite que o espaço onde a história se passe se assemelhe à assunção de de ruralidade nacional feita por qualquer leitor, independentemente da sua nacionalidade (ou não tivesse sido primariamente publicado em França), o livro permite que a sua leitura seja enquadrada na familiaridade de um universo pessoalmente entendido.
É verdade, também, que conhecendo a restante obra de Rui Lacas saberemos situar os elementos deste seu mundo, bem como a evolução dos traços de originalidade da sua utilização particular da onomatopeia como parte integrante da estrutura da página desenhada.
Mas faz sentido falar da história como universal, deslocalizada no tempo e espaço - passado local ou presente de países inominados -, mas cujo fulcro é o percurso que vai da tentação ao crime e deste à penalização.
Uma medida do passar do tempo, que é sempre curto para chegar da tentação ao crime e muito longo para chegar depois à punição, e que a história trata de contar em sentido inverso, tratando demoradamente o primeiro período e desenlaçando o segundo tão subitamente quanto merece acontecer.
Nesse aspecto o livro revela não ser tanto sobre a vingança, como a primeira impressão fará parecer, antes sobre a retribuição.
Não há nada para ver nessa retribuição a não ser o seu momento final. Por comparação, conhecer e medir o acto é muito mais importante.
Vemos o preço que cada um paga pelo seus actos quando, a pouco e pouco, admite a ignomínia dos mesmos.
A retribuição chega por mão própria, quando a acumulação desses pequenos pedaços de admissão de culpa é suficientemente forte para que o pecador se revolte contra eles. A absolvição é impossível e nesse momento arca, finalmente, com as consequências por completo.
A vingança, se continuarmos a querer chamar-lhe assim, está em sangrar lentamente tudo ao alvo da mesma até que apenas sobre a culpa e esta pese demais.
A concretização física de todo este acto é um efeito e não um objectivo.


















Obrigada, Patrão (Rui Lacas)
Edições Asa
1ª edição - Outubro de 2007
96 páginas

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