quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Fascínio de pensar

Ninguém se vai deslumbrar com a Índia a partir deste livro, ainda que a deliciosa escrita de Moravia trate muito bem a nação sobre a qual escreve.
Não há dúvida que há momentos do livro em que, debruçando-se sobre um determinado lugar, Moravia é elogioso e fascinante.
Mas a sua verdadeira missão para com a Índia é a de a pensar e não a de a deixá-lo enfeitiçar.
Trata-se de um homem com conhecimentos elevados que antecipam a sua visita e que, por isso, está contextualizado com o que vê.
Moravia olha a Índia e fala do que vê sem iludir os males sistemáticos - pobreza, racismo e crendice - com a beleza exótica que um visitante normalmente elogiaria para enaltecer a sua escolha de destino de viagem.
Os males da Índia não são curiosidades de fundo para Moravia mas o cerne de uma análise que, partindo da observação, procura a definição do que é a Índia.
Moravia vê a Índia como fenómeno social, económico, político, religioso e intelectual. Vê-a como tal e procura a resposta ao porquê de esse fenómeno ser tão brutal.
A divisão em castas como estrutura social de um racismo tão enraizado que funciona como medo de contaminação. A pobreza eterna, como missão de um povo perante os seus visitantes.
A sua resposta aproxima-se quase sempre da religião. Da religião como nada mais do que a percepção da realidade, a ideia do que se vê.
A ideia da Índia que os indianos lhe atribuem contribui para a realidade que Moravia vai pensando ao longo dos seus artigos, contribui para a persistência dos aspectos mais persistentes da Índia como Cultura e como memória do visitante.
Moravia usa a Europa como termo de comparação e oposição à Índia, diametralmente opostos na sua forma de abordar e interiorizar todos estes fenómenos, todos estes males.
Assim proporciona maior entendimento do que diz aos seus leitores do Velho Mundo que imaginam apenas a Índia dos fenómenos culturais populares, polidos ou mesmo errados - como Slumdog Millionaire, para dar um exemplo recente e globalizado (portanto, inescapável).
Acima de tudo, não interessa o que se altera na Índia, pois a busca do conceito de Índia torna este livro intemporal.
Com ele o viajante que se prepara para visitar o país vai preparado para compreender, para avaliar por si próprio o que à sua volta acontece.
Nessa altura, sim, sabendo o que é a Índia - ou uma hipótese consistente mesmo que não conclusiva do que é a Índia - o viajante pode deixar-se fascinar sem se render.
O conhecimento ajuda a que se possa ver o que o país mostra e passar para lá disso em busca do que esse país é.


















Uma ideia da Índia (Alberto Moravia)
Tinta da China
5ª edição - Julho de 2010
144 páginas

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