quarta-feira, 18 de agosto de 2010

As Palavras Enormes

Uma rapariga nova que chega de surpresa quando o grupo de raparigas do orfanato, já uniformizado, se encontra fora. Uma rapariga que sabe dizer o que sucedeu aos seus pais em vez de se limitar a amaldiçoá-los. Uma rapariga que rapidamente inspira tanto o desejo como a repulsa.
A rapariga é a sugestão de sexualidade e de inveja, as emoções extremadas que as outras raparigas sentem, emoções que não se esperam encontrar nestas idades.
Por serem crianças não têm um entendimento do Bem e do Mal. Apenas constatam as emoções que as vão invadindo a cada momento, a cada gesto, a cada brincadeira.
Também as suas emoções lhes são incompreensíveis, mas sem as restrições de moralidade que se espera de um adulto - ou mesmo de uma criança com uma vida aberta ao mundo e orientada pelos pais - estas crianças apenas se deixam levar e, de um momento para o outro, as suas atitudes radicalizam-se para pólos opostos e cada vez mais violentos.
Ora amor, ora ódio; ora desprezo, ora dependência; ora desprendimento, ora insaciedade.
A escalada crescente do seu comportamento, entendido como uma brincadeira - a transformação de um corpo em boneca enfeitada -, terminará apenas quando não houver mais motivos para se continuar a propagar.
Essa boneca desumaniza-se, é um objecto que sujeitam a tudo, da sinceridade à violência.
A inocência não é um comportamento imaculado mas o instinto indomável e sem julgamento de espécie alguma.
Estas crianças que vivem apenas perante si mesmas, estas crianças deste orfanato, estas raparigas perante uma estranha... Estas crianças são verdadeiramente inocentes, de uma inocência brutal. As suas pequenas mãos são capazes de danos bem maiores do que gostaríamos de conhecer.
Em poucas páginas fazer um retrato incondicional da infância, desarmante na sua revelação discreta, brutal no seu resultado e fascinante em todo o percurso, é notável e só ao alcance de quem domina o sentido de cada palavra de forma absoluta e confiante - sem que seja preciso acertá-las à primeira, mas trabalhando-as até ao momento em que todas as palavras que estão na página são enormes no seu poder.


















As Mãos Pequenas (Andrés Barba)
Minotauro/Edições 70
1ª edição - Junho de 2010
88 páginas

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