A crítica a O Livreiro que aqui se inicia revelar-se-á bicéfala ou acabaria por ser uma análise enviesada. Teria de ser depreciativa do importante fenómeno da primeira interacção do leitor com o livro - em que a compra também está incluída - da antecipação via marketing - imagem da capa, frases de efeito e teor da sinopse - para chegar a um elogio do efeito final que só pode ser feito contrariando essa orientação comercial .
Avaliando o livro pela maneira como o seu exterior comunica com o leitor, o pensamento dirige-se para uma aproximação a O Clube Dumas, para a iminência de uma versão exultante, de aventura (não na forma de acção, claro), do papel de um comerciante de livros.
Ainda para mais numa versão de trabalho paciente que nos trará da Segunda Guerra Mundial ao presente e à figura envelhecida da capa.
Há algo de tudo isso no livro, claro, mas na verdade o alfarrabista parisiense que motiva o título do livro é quase um MacGuffin, desaparecendo muito cedo no livro e lançando o protagonista numa caça que terá muito pouco a ver com livros.
A trama relativa a um livro que esse bouquiniste se recusou a vender torna-se secundária e a sua maior contribuição para o livro é a maneira como desvia a perspectiva da investigação, tornando menos óbvio o percurso a seguir pelo protagonista.
O ambiente do comércio alfarrabista parisiense serve, igualmente, para criar um ambiente distinto para este policial, criando condições que obrigam o protagonista a negociar a sua posição e aliar-se à polícia local.
Ele é um "americano em Paris" e com um papel significativo na embaixada americana local, pelo que o seu comportamento não pode ser o do herói violento - e ainda bem, ou o livro teria sido apenas mais um thriller - mas antes de quem tem de liderar uma investigação privada e ir aceitando um papel secundário na colaboração com a polícia.
Essa gestão de relações leva a um uso mais inteligente de recursos, a uma evolução mais paciente em que o personagem fica caracterizado numa dimensão de pessoa a par de o ser no papel de herói.
Os detalhes tornam Hugo Marston muito interessante, dão conta do seu passado e deixam o futuro em aberto com mudanças significativas em perspectiva sem que forma final de cada uma seja óbvia. O (muito) dinheiro que lhe vai parar ao colo no final do livro poderá levar a uma mudança de profissão e/ou de cenário, havendo por isso alguma expectativa quanto ao que se segue.
Ao mesmo tempo, alguns de entre esses detalhes que o querem caracterizar como peixe fora de água, são verdadeiros estereótipos que não se enquadram no estilo do livro nem, verdadeiramente, do personagem.
O mais violento desses detalhes sendo o par de botas texanas que Marston não troca nem numa gala da embaixada onde é obrigado a vestir um smoking. Outras oportunidades surgiram para destacar o seu enraizado americanismo e o seu espírito independente sem que precisasse de existir esta incongruência laboral.
O personagem de Marston não se estraga à conta disso e a viagem emocionante em que ele nos leva tem um certo charme e bastante eficácia.
Não se trata do livro "anunciado", mas aquele que se revela não deixa o leitor mal servido.
O Livreiro (Mark Pryor)
Clube do Autor
1ª edição - Março de 2013
352 páginas
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