Eis uma história feita de exploração histórica, mistérios de estilo gótico, descrição do trabalho policial, melodrama romântico, segredos familiares, obscurantismo social de pequena aldeia e procedimentos de tribunal.
Como os melhores dos livros, não se trata de um livro de género, vendável de acordo com uma etiqueta, mas um livro que usa todas as realidades e ferramentas necessárias para criar um retrato intensivo, funcional e credível das suas personagens e dos acontecimentos em que elas se envolvem.
Resumindo, um estudo do comportamento humano perante uma situação excepcional, da primeira morte até à resolução final com todos os momentos de permeio explorados.
Claro que, enquadrando a história na forma (lata) de policial, o autor – como vários outros têm feito – encontra um processo chamativo para remexer na noção da História tal como existe hoje em relação a um qualquer momento específico.
Trata-se de fazer uma revisão séria da consciência dos muitos comportamentos que ficaram por confessar numa forma que enganadoramente chamará os desejosos de mero entretenimento.
Um procedimento policial num tempo – e numa geografia – onde as limitações tecnológicas eram acentuadas e que os julgamentos morais (e populares) tinham consequências ainda mais ferozes do que hoje, o ónus coloca-se todo no trabalho humano.
Os erros humanos não dão apenas conta do envolvimento comunitário que há entre os investigadores e os suspeitos, ganham relevo para a investigação, torna-se significativo para o caminho que esta levará.
Essa dimensão humana vem tornar o livro num objecto de leitura universal e intemporal, apesar da limitação cénica e temporal.
Mais do que a vida das personagens, o livro trata de explorar um momento na vida Inglesa, destacando os traços da tradição que se mantinha viva no seio das pequenas comunidades britânicas.
Simon Tolkien vinca o espírito da época através do trabalho de escrita que recorre ao adensamento do ambiente: detalhado mas encerrado a noções do exterior.
Uma vila inglesa cristalizada, arrastando consigo as memórias assombradas dos séculos passados e claustrofobicamente recusando que o resto do mundo ali surgisse.
Vinca-se um sentimento latente de Britanidade no que ela tem de melhor. Da severidade dos pequenos elementos (Vitorianos, diria-se) aos grandes ambientes de comunidade auto-suficiente.
Faz tudo isto para poder perturbar essa placidez prolongada à força do silêncio de décadas.
Uma placidez nascida de uma inconsciência readquirida perante o mundo, uma crença inocente na bondade alheia que deveria ter sido perdida em definitivo.
Por isso é que o autor se decide a perturbar tal comunidade não só com o crime – representando a ferocidade do mundo moderno – mas também com o Passado – o reavivar da memória tão depressa escondida por tão pouco ser analisada.
Um trabalho de enorme dedicação à descrição da atmosfera da época que não descuida a eficácia que a componente policial também precisa.
Aliás, a meticulosa descrição alia-se à desenvolta narração para recriar um ambiente de familiaridade literária com usos nem sempre típicos, chegando a aliar a leitura moderna – veloz, emocionante – ao prazer antigo de pausadamente conviver com as personagens e os ambientes.
Único lamento acerca deste livro é que a edição tenha começado pelo segundo livro dedicado ao detective William Trave. Porque a sua definição pessoal teria sido ainda melhor e porque fica a sensação de que poderemos acabar unicamente com este livro publicado por cá.
O Rei dos Diamantes (Simon Tolkien)
Planeta Manuscrito
1ª edição - Setembro de 2012
416 páginas
Sem comentários:
Enviar um comentário