quarta-feira, 19 de junho de 2013

No limbo da Britanidade

Eis uma história feita de exploração histórica, mistérios de estilo gótico, descrição do trabalho policial, melodrama romântico, segredos familiares, obscurantismo social de pequena aldeia e procedimentos de tribunal.
Como os melhores dos livros, não se trata de um livro de género, vendável de acordo com uma etiqueta, mas um livro que usa todas as realidades e ferramentas necessárias para criar um retrato intensivo, funcional e credível das suas personagens e dos acontecimentos em que elas se envolvem.
Resumindo, um estudo do comportamento humano perante uma situação excepcional, da primeira morte até à resolução final com todos os momentos de permeio explorados.
Claro que, enquadrando a história na forma (lata) de policial, o autor – como vários outros têm feito – encontra um processo chamativo para remexer na noção da História tal como existe hoje em relação a um qualquer momento específico.
Trata-se de fazer uma revisão séria da consciência dos muitos comportamentos que ficaram por confessar numa forma que enganadoramente chamará os desejosos de mero entretenimento.
Um procedimento policial num tempo – e numa geografia – onde as limitações tecnológicas eram acentuadas e que os julgamentos morais (e populares) tinham consequências ainda mais ferozes do que hoje, o ónus coloca-se todo no trabalho humano.
Os erros humanos não dão apenas conta do envolvimento comunitário que há entre os investigadores e os suspeitos, ganham relevo para a investigação, torna-se significativo para o caminho que esta levará.
Essa dimensão humana vem tornar o livro num objecto de leitura universal e intemporal, apesar da limitação cénica e temporal.
Mais do que a vida das personagens, o livro trata de explorar um momento na vida Inglesa, destacando os traços da tradição que se mantinha viva no seio das pequenas comunidades britânicas.
Simon Tolkien vinca o espírito da época através do trabalho de escrita que recorre ao adensamento do ambiente: detalhado mas encerrado a noções do exterior. Uma vila inglesa cristalizada, arrastando consigo as memórias assombradas dos séculos passados e claustrofobicamente recusando que o resto do mundo ali surgisse.
Vinca-se um sentimento latente de Britanidade no que ela tem de melhor. Da severidade dos pequenos elementos (Vitorianos, diria-se) aos grandes ambientes de comunidade auto-suficiente.
Faz tudo isto para poder perturbar essa placidez prolongada à força do silêncio de décadas.
Uma placidez nascida de uma inconsciência readquirida perante o mundo, uma crença inocente na bondade alheia que deveria ter sido perdida em definitivo.
Por isso é que o autor se decide a perturbar tal comunidade não só com o crime – representando a ferocidade do mundo moderno – mas também com o Passado – o reavivar da memória tão depressa escondida por tão pouco ser analisada.
Um trabalho de enorme dedicação à descrição da atmosfera da época que não descuida a eficácia que a componente policial também precisa.
Aliás, a meticulosa descrição alia-se à desenvolta narração para recriar um ambiente de familiaridade literária com usos nem sempre típicos, chegando a aliar a leitura moderna – veloz, emocionante – ao prazer antigo de pausadamente conviver com as personagens e os ambientes.
Único lamento acerca deste livro é que a edição tenha começado pelo segundo livro dedicado ao detective William Trave. Porque a sua definição pessoal teria sido ainda melhor e porque fica a sensação de que poderemos acabar unicamente com este livro publicado por cá.


O Rei dos Diamantes (Simon Tolkien)
Planeta Manuscrito
1ª edição - Setembro de 2012
416 páginas

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