terça-feira, 14 de maio de 2013

Quem tem medo do realismo?

Dediquei-me a ler Não Sou Um Serial Killer na expectativa de ler algo que se aproximasse de um tom sombrio de Dexter no período dos anos de formação.
A minha ideia de diversão passava pela hipótese de viver os efeitos tenebrosos da psicopatia por via indirecta no momento em que as pulsões são mais fortes e o carácter mais maleável.
Devo dizer que era precisamente esse o rumo do livro, capitalizando a adicional estranheza social de um psicopata auto-consciente para reforçar o retrato de desintegração com os pares e conflito com a família de um adolescente.
Apesar das expectativas que tinha para o livro, de que este teria limites para aquilo que explorava e que teria  uma acentuada necessidade de se relacionar com um público mais jovem, estava satisfeito e, em certos momentos, surpreso com a abordagem realista e ousada do autor que não deixava de combinar humor negro e descrições realistas.
Isto durante as cem primeiras páginas, porque logo de seguida surge o conteúdo sobrenatural que vem perturbar seriamente a concentração que se tem com o livro.
A descoberta de que o vilão é, literalmente, um monstro vem retirar boa parte da credibilidade que o autor estava ainda a estabelecer para o livro.
Pior, denota uma falta de coragem para criar um protagonista com o qual os leitores adolescentes possam criar empatia e que também mata pessoas - assassinas elas próprias, clato - quando, na verdade, era isso mesmo que Dexter tinha provado vezes sem conta ao longo das suas temporadas.
(Curiosamente, transformar o perigo em algo inócuo parece ser um defeito comum nesta família de escritores, visto que Dan é irmão de Robinson Wells.)
Depois disso foi muito difícil continuar a ler o livro, tendo-me obrigado a tal durante umas dezenas de páginas mais antes de conseguir superar a desapontada raiva que sentia.
O livro, curiosamente, reentra nos eixos com o sobrenatural a tornar-se num elemento de fundo pouco referido que só volta a ter verdadeira preponderância quando o livro tem de chegar à sua inevitável conclusão.
No entanto, a cada capítulo que se sucede à revelação, vai ficando provado que o sobrenatural era desnecessário num livro que funciona bem como o thriller em que se transforma depois de estabelecer as bases de um protagonista pouco (se bem que, entretanto, mais) habitual.
A leitura imediata de Senhor Monstro foi um salto de fé baseado na vontade de mais do que na confiança no trabalho que poderia estar ali.
O segundo livro é, felizmente, melhor que o seu antecessor, sublinhando o que esse já tinha de melhor.
Capítulos dedicamos unicamente a descrever como obter o melhor mas menos perigoso fogo possível ou às sensações de matar um gato no fogo constituem o melhor do livro.
A verosimilhança - quem sou eu para dizer que isto é realismo no que toca à psique de um adolescente com tendências psicopatas... - desses capítulos encaminham-nos para uma construção menos simplista do personagem principal que se torna num melhor protagonista de um thriller mais robusto do que o anterior.
Um thriller que não abdica - ou não pode já abdicar, por culpa do primeiro livro - dos elementos sobrenaturais mas que os dilui de tal forma que os torna em pouco mais do que um elemento humano potenciado ao máximo.
Esse elemento até se integra bastante bem com as necessidades que o livro tem para concretizar a acção no cenário que construiu para o protagonista, pelo que se torna fácil ao leitor, desta vez, encará-lo com uma descontracção que não admitiria antes.
No entanto, o que o livro tem de substancial continuam a ser os seus elementos realistas - caracterização psicológica e motivações da intriga - mesmo que dentro de uma construção ficcional pouco realista.
Há, agora, um terceiro livro disponível que ainda não estou convencido a ler. A ideia de tirar as teimas a se Dan Wells consegue levar por diante uma transformação total dos seus livros em que o sobrenatural não intervem e em que o realismo (possível) conduz o leitor.
Mas o que é claro é que o medo que se mostrou no primeiro livro está a desaparecer, provavelmente à conta do sucesso e de boas reacções que o livro terá tido.
Porque duvido que sejam os leitores (com a idade do protagonista) a temer o realismo violento desconhecido (mas já imaginado) que acompanha o emocional (que eles conhecem bem).
Esse temor deve ter vindo de editores adultos preocupados com as reacções dos pais mais facilmente exaltáveis.


Não Sou Um Serial Killer (Dan Wells)
Contraponto
1ª edição - Março de 2012
240 páginas



Senhor Monstro (Dan Wells)
Contraponto
1ª edição - Novembro de 2012
264 páginas

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