sexta-feira, 17 de maio de 2013

Melhor ilustrado do que escrito


Agentes do C.A.O.S.: A conspiração Ivanov evidencia-se por ser um thriller revisionista dos anos que se seguiram à revolução de 1974.
Deveria, por isso, suscitar alguma atenção fora dos círculos bedéfilos, já que este período tem surgido a pouco e pouco na literatura portuguesa e, até mesmo, com este género de abordagem. Vermelho da Cor do Sangue, por exemplo, recebeu bastante atenção na altura da sua publicação e creio que um thriller com imagens só pode beneficiar a maneira como a acção funciona perante o leitor.
O lamento pelo diminuto público de Banda Desenhada, mesmo dentro do não tão extenso público leitor, não me leva, no entanto, a poder dizer que seria este o livro que recomendaria para que começassem a ler esta outra linguagem narrativa.
Sucintamente, a história faz-se, quase em exclusivo, de três episódios de acção, distribuídos por dois períodos temporais distintos.
Fernando Dordio, o argumentista do livro, utilizou algumas daquelas que são hoje das mais repetidas mas das menos lógicas estratégias para o género.
Logo a abrir, uma sequência de sonho - adicionada à história quando esta foi compilada num único livro - cria um ambiente que não se voltará a encontrar e que se limita a tentar criar um suspense de longo prazo que os episódios subsequentes não conseguem gerar.
No final, a resolução da trama faz-se com o ressurgimento de um personagem que, até aí, quase não existiu para além de um rosto desenhado por uma vez com o nome mencionado a acompanhar (que têm, inevitavelmente, de ser procurados no início do livro para se conseguir continuar a acompanhar o desenvolvimento). Esta aparição vinda de "parte alguma" tem a intenção de criar surpresa sem que a história tenha sido trabalhada para tal.
O início e o final do livro usam truques para fazerem a vez das ferramentas narrativas mas o miolo do livro não tem um tratamento melhor.
Precisamente na página 43, que marca o meio do livro, o autor recorre a um texto expositivo para ligar as pontas de 1980 e do Presente. Ao invés de tentar que a informação surgisse faseada ao longo e exposta através da acção, o autor quebra por completo o ritmo do livro (ainda que a primeira metade do episódio 2 fosse já de uma excessiva acalmia).
Um texto que deveria ser um complemento com informação mais específica mostra-se demasiado longo, repetitivo na sua linguagem e sem personalidade. Aquilo que deveria ser a carta de um pai a um filho não esconde a construção de um texto contextualizador num momento em que nenhuma outra solução haveria já.
No caso desta prancha não posso deixar de assinalar, igualmente, a falta de qualidade da sua planificação que faz ecoar de forma mais forte a sensação de informação forçada ao leitor.
Constituída por um grande plano da carta, mas depois encoberta por caixas de texto que não beneficiam nada a leitura já que a legibilidade das letras é igual nos dois suportes.
E não posso deixar passar, ainda, a presença de uma cómica referência do desenho à vida interna da Kingpin Books que está completamente fora de tom para imersão numa memória reinventada da realidade revisionista que o livro procura.
Apesar deste reparo, a evolução do desenho de Filipe Teixeira é o mais interessante de seguir ao longo do livro.
Ainda muito débil e inconstante no Livro 1, como se pode ver pela representação pobre e pouco coerente das faces dos personagens, atinge patamares de grande qualidade no Livro 3 (ajudado, evidentemente, pela arte-final de Mário Freitas) onde o trabalho de detalhes e a imaginação aplicada à planificação das pranchas ganham relevo.
As cores ajudam o desenho de forma muito evidente. A sua qualidade é uma constante do livro e a expansão da paleta ao longo da história (sobretudo a partir do Livro 2) leva a que a própria leitura do livro se vá abrindo ao leitor.
Sobretudo, são as cores que impedem que se recuse o livro durante o Episódio 1, ainda para mais quando o desenho surge numa abrupta transição de um Episódio 0 que terá sido desenhado já depois do Episódio 3 e que apresenta a mesma qualidade que esse último - e muita mais do que o Episódio 1.
Nos melhores momentos, o desenho e as opções de cor levam as cenas de acção a equiparar-se a possibilidades cinematográficas que muitos realizadores reivindicariam para si - veja-se a sugestão de slow motion da página 78, por exemplo.
Vale isso numa edição que, pelo formato, se aproxima do formato usado para a literatura de texto corrido e que merecia que o argumento justificasse mais tal analogia.


Agentes do C.A.O.S.: A conspiração Ivanov (Fernando Dordio e Filipe Teixeira)
Kingpin Books
Sem indicação da edição - Outubro de 2010
84 páginas

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