Os contos de Felisberto Hernández são reflexões funcionais sobre a percepção nas suas mais diversas facetas.
A percepção que recombina os mais diversos sentidos ou que lança a memória em espirais que se enleam em si mesmas.
Uma das personagens que habita as páginas diz mesmo que ia aos seus lugares preferidos como se entrasse em buracos próximos e encontrasse ligações inesperadas. Isso é um processo físico para um arrumador de teatro a circular pela cidade mas é um processo bem diferente para um escritor a circular pela materialização das existências imaginadas que lhe pertencem.
Recordações e percepções parecem banais até caírem na página, momento em que se tornam símbolos de outras vivências ou traduzem significados que nem a emoção sabia reconhecer nelas.
Não interessa que sejam sinceros (ou biográficos, se preferirem), interessa que mostram o próprio processo de associação que leva o relato a saltar tão rapidamente da vida de quem fala para a memória de quem o acompanhou ou que leva o relato a saltar do realismo para o fantasioso sem que o próprio relator se dê conta do grau de absurdo de que se aproxima.
Os caminhos destes contos são a própria visão de como a sua escrita surpreendeu o próprio autor, encaminhando o seu trabalho para campos distantes mas que falam do mesmo.
O relato de memórias torna-se na elaboração do fantástico porque se rompem as barreiras entre o olhar empírico e a elaboração da mente, umas vezes perigosa na sua obsessão e outras mais rigorosa na sua vontade de chegar ao mais longínquo ponto de contacto entre o presente (e o presente relato) e o que foi o passado.
No final, aquilo que torna os contos tão ricos é a forma como as pequenas minudências do quotidiano se tornam no maravilhoso segundo a pena de Felisberto Hernández.
Contos Reunidos (Felisberto Hernández)
Oficina do Livro
1ª edição - Março de 2010
140 páginas
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