sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Da velhice e da linguagem

A velhice é uma dor profunda a necessitar de uma réstea de crença na magia das surpresas que a idade leva a já não aguardar.
Colocado num lar um homem sente ter perdido o pouco que lhe sobrava, reage mal e revolta-se.
Pouco a pouco muda, sem querer realmente deixar que os outros vejam isso. É um novo universo pessoal a construir e renovada utilidade a descobrir.
Escreve cartas de amor a uma mulher abandonada ou encontra uma personagem central da poesia nacional.
Mas, acima de tudo, purga demónios. Num lar todos têm memória e todos têm passado.
Todos recordam e julgam o país onde viveram e todos têm confissões a fazer. A dele é apenas mais uma.
A tal "máquina de fazer espanhóis" é aquela sofreguidão com que, de tempos a tempos, cada um rende o país que ama.
Uma máquina que se activa de cada vez que alguém diz "mais valia sermos uma província de Espanha" para amaldiçoar os erros deste país mas sem nunca conseguir deixar de defender a independência desse pedaço de terreno com que se identifica.
Os velhos no lar juntam as suas alegrias e as suas censuras a um país que quiseram ver perdido mas que nunca conseguiram abandonar.
A máquina move-se sempre sem sucesso. A velhice é o momento de confessar que se tentou andar nela e continuar seguindo, até ao fim, onde sempre se esteve.

No caso de valter hugo mãe, a forma de escrita é, inevitavelmente, tão notada quanto o tema.
A sua falta de maiúsculas assemelha o texto a um telegrama, sequências rapidíssimas que raras vezes se interrompem durante a leitura.
Digamos que lhes falta a quebra do stop para se dar conta de que uma nova frase se iniciou.
O efeito de leitura com que se mesclam as frases causa novos efeitos de compreensão, sugere outros significados, aproxima o texto de uma liberdade que esperávamos da poesia em prosa.
Não quero com isto dizer que o texto não seja perfeitamente entendível e estruturado.
Apenas que a leitura tem características distintas. O texto deixa-se atravessar como se os pontos finais estivessem a unir as frases e não a separá-las, a ligar a cadência com que as lemos, a acrescentar velocidade em vez de nos dar a pausa entre elas.
Não creio que seja isto que o autor procurasse, pois não é sistemático nem evidente um jogo com estas características, mas é um efeito interessante.


















a máquina de fazer espanhóis (valter hugo mãe)
Alfaguara / Editora Objectiva
1ª edição - Fevereiro de 2010
312 páginas

Sem comentários:

Enviar um comentário