quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Belo fantasma

Um fantasma assombra quem lhe era mais dedicada e quem fora mais terrível para ela.
Assombra uma rapariga e um homem, assombra o amor destes com a sua memória, assombra a felicidade que espreita no futuro.
Assombra a ignorância, mais do que tudo o resto, a ignorância de um sobre o outro, sobre o que aquele homem, que aparenta ser nobre e forte, fez e sobre o que aquela mulher, que aparenta ser ingénua e incapaz, fará.
O fantasma, sendo real, é também a consciência de cada um destes outros personagens, aquilo que eles querem silenciar, aquilo que guardam no subconsciente na esperança que se afunde um pouco mais para que a irracionalidade lhes permita ser felizes.
Pois também o Amor assombra quem vive, além de ser a dor de quem morreu.
O Amor assombra porque ensombra a justiça, abafa a lógica, afasta a moral. O Amor é indecisão, é rebelião contra a própria consciência, é a rendição ao outro contra o próprio bem estar.
Todos acabam por se lhe entregar, podendo decidir se nessa entrega lhe escapam ou a ele sucumbem.
De novo vemos que o Amor é como um fantasma, cobrando o seu preço a quem merece e a quem tropeça no seu caminho.
Afinal, o fantasma deste conto busca vingança contra o homem que o criou mas também contra quem a ele lhe sobreviveu.
A sua missão é de tormento para com quem vive, não somente para com quem vive porque ele morreu. Vingança e despeito são tão parecidos afinal.
Todos estes fantasmas perduram neste magnífico texto, mas é a beleza das palavras que mais nos assombra.


















O Tesouro (Selma Lagerlöf)
Cavalo de Ferro
1ª edição - Fevereiro de 2010
98 páginas

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