terça-feira, 30 de julho de 2013

O Homem que queria ser Homenzinho

Em comum com O Mundo este livro tem a demanda por uma forma distinta de encarar a realidade. Aqui trata-se de uma experiência fora do corpo: uma pequeníssima versão do autor que deambula com uma consciência autónoma e, por vezes, em comunhão.
O conjunto destes dois livros sugere que, para Millás, a missão do escritor seja a de descobrir novas formas de encarar a sua realidade para justificar escrevê-la para os leitores.
Mas O Que Sei dos Homenzinhos também tem diferenças substanciais para com o livro anterior do autor, sobretudo porque a descoberta de um ponto de vista novo para a realidade não pretende recriar a visão alternativa de outra idade.
Na verdade este ponto de vista do Homenzinho é uma concretização já adulta. Adulta porque perversa, cheia de impulsos que a infância não reconhece.
O Homenzinho é quase como a libertação do Diabinho da consciência, com a liberdade para concretizar as fantasias do Homem. Aquelas inaceitáveis pela sociedade e pela lei: do voyeurismo ao assassinato.
Estamos perante a mesma dualidade entre Bem e Mal d'O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde, com versões diferentes do mesmo homem a viverem autonoma mas intricadamente vidas próprias.
Num processo em que as duas consciências ora se fundem ora existem sozinhas, há disputas e comunhões perante as perversidades à disposição.
O Homenzinho é sempre quem quer ir mais longe, adulto recém-criado, logo sem noção das regras mas com toda a noção das pulsões.
Mata primeiro e depois exige ao Homem que mate igualmente. E o Homem dá-lhe excessos (tabaco e álcool) e cozinha uma lagosta tentando adiar a obrigação.
Combate interiormente as pulsões - que pode imputar ao Homenzinho - com as restrições morais. Pode querer ceder às primeiras mas receia as consequências práticas das segundas: não a culpa, mas a prisão.
Ao mesmo tempo, esta questão das duas consciências serve para ridicularizar a masculinidade tornada machismo.
O Homem enxofra-se com a partilha da sua mulher com o Homenzinho quando as consciências estão unidas, mas depois quase que exige ao Homenzinho que este se apresse a repetir o ritual de acasalamento com a única Mulherzinha (uma espécie de Rainha).
O que é do Homem deve ser só do Homem, mas a possibilidade deste ter acesso a prazeres que não lhe pertencem nunca está excluída.
Será para isto que o Homem - que não um escritor, neste caso - reinventa a sua realidade, dá justificações e racionaliza para poder trair, errar, prevaricar?
Ouvem-se expressões que tudo justificam e que criam Homenzinhos sem ser necessário o processo de replicação alcançado neste livro: Não tenho em casa aquilo que preciso ou Isto não é algo que faça com a minha mulher.
São temas que Millás quer tratar sem fazer tombar o livro para a forma de ensaio. Quer cativar sem deixar de lado as suas obsessões.
Esta, dos Homenzinhos, causa uma magnífica ânsia. Pois se um Homenzinho podia ser esmagado como um insecto na palma da mão, porque domina a vida do Homem?
Este Homenzinho é algo demasiado significativo do Homem e aquilo que se sabe dos Homenzinhos é que são uma raça demasiado estranha.
Podem alcançar o que quiserem por serem quase sempre invisíveis, mas procuram os vícios habituais. Têm para si a melhor das mulheres e o mais intenso dos êxtases mas desejam as mulheres grandes: aquelas que não podem ter.
São tal e qual (ou quase) os Homens, mas causam estranheza a quem os vê. Excepto aos escritores, pois a literatura está cheia destes Homenzinhos, diz-nos Millás. Certamente uns maiores que outros, mas todos excelentes protagonistas para um livro.


O Que Sei dos Homenzinhos (Juan José Millás)
Paneta Manuscrito
1ª edição - Março de 2012
136 páginas

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