sexta-feira, 19 de julho de 2013

Meia dúzia é muito pouco

Esta crítica inicia-se com uma aproximação a uma "nota de intenções". Tudo porque evitarei ao longo do texto o transtorno de abordar os contos de que não gostei.
Apontarei dois motivos para tal. O primeiro é a falta de vontade de conduzir textos que possam descambar para a enumeração cruel de defeitos quando a intenção do blogue é reforçar o prazer dos livros.
O segundo e mais significativo, é o facto de em vinte e um autores aqui agrupados uma minoria apenas - seis! - merecer um verdadeiro destaque.
Não quero com isto dizer que entre os contos dos quinze autores que não serão referidos abaixo não haja textos de leitura agradável, mas não se distinguem senão pela capacidade de não aborrecerem o leitor.
É necessário assinalar, também, que a par desses contos agradáveis há também vários com uma estrondosa falta de qualidade para figurarem neste volume.
Até porque se os contos maus fossem purgados do livro este seria, como um todo, visto com mais bondade, sendo o "agradável" aceite com agrado como o nível mais baixo da selecção.
O coordenador do volume, Miguel Almeida - a quem dedico esta breve nota por ter lido A Cirurgia do prazer e que no conto aqui presente repisa o mesmo terreno sem novidade -, cita Gabriel García Márquez no seu prefácio: "O conto... pega ou não pega".
Mas desta ideia o coordenador não retira o critério essencial para a sua selecção. Ficaram demasiados contos que "não pegam" a somar páginas ao volume que poderiam ter servido para dar pequenas bio-bibliografias de uma selecção mais breve de escritores.
Até porque esses contos que "não pegam" contrariam as características que o autor associa ao conto (que não lhe advém da forma): fulgor narrativo e essencialidade da linguagem.
Vários são os contos em que nem narrativa há, em que o conto é uma página auto-congratulatória de um diário de pensamento (não por acaso esses contos surgem quase sempre escritos na primeira pessoa).
Outros tantos - e alguns desses pertencendo também ao grupo anterior - confundem essencialidade da linguagem com o rebuscamento dos termos usados.
Não que haja um padrão para os contos que deixam por cumprir a noção que Miguel Almeida tem para o que eles devem ser - ou, pelo menos, a que devem aspirar - mas também não há um padrão para a recolha senão a liberdade dos próprios autores.
Portanto deixarei as noções acima para futuros leitores do livro aceitarem ou recusarem conto a conto, passando agora aos destaques que tentei que não fossem influenciados pela vontade de encontrar um oásis literário a cada sequência de páginas áridas.
Em Ana Fonseca da Luz destaca-se o humor com que cria os seus dois pequenos enredos de amor ou amizade que dão uma imagem de infracção das regras do quotidiano triste.
Carlos Vilela escreveu uma narrativa histórica com verdadeira essencialidade da linguagem, correcta e inventiva sem se dar a excessos. Ainda para mais com um ponto de vista original sobre o Conhecimento que enchia o mundo antes dos Descobrimentos. Numa descrição de um paraíso possível, fica uma crítica ao papel dos Descobrimentos que tende a ser esquecido nos elogios que a História ensina.
Há uma beleza da simplicidade na vida criada por Cristina Correia. Trata-se de um homem que se torna extraordinário por ser ele próprio e nada mais. Um conto que usa a realidade reconhecível sem nomear Espaço ou Tempo e que se foca na personagem para que ele cresça e seja o foco da narrativa e não um mero utensílio de reflexões da autora - seja o leitor a retirá-las de uma vida inteira ali escrita.
Um dos mais inventivos contos do livro pertence a Emílio Miranda, com a sua descrição da normalidade laboral mas protagonizada por seres celestiais. Entre o humor de The Office e uma revisão contemporânea da mentalidade de Deus/do patrão, ficamos com uma construção cheia de força que permanece até com o leitor menos atento.
Os contos curtos em que João Carlos Silva arrisca um esplendor de imaginação para falar da actual condição humana são uma verdadeira delícia. Facilmente poderiam ter-se tornado em sketches a tentarem atingir algum surrealismo, mas têm uma magnífica dignidade até no falhanço (interno, das personagens).
Vítor Fernandes fecha o livro e com esse posicionamento quase consegue compensar o grande número de páginas que estão entre ele e João Carlos Silva. Os seus contos breves têm uma maturidade que poucos outros mostram, chegando mesmo a evocar memórias de Mário de Carvalho ou Dinis Machado. Ele sim une fulgor narrativo e essencialidade da linguagem, fisgando o leitor com um magnífico domínio da Língua para que sofra uma manipulação de desfecho fulgurante e sempre inesperado.
São estes os autores - e como se percebe, mesmo assim alguns em patamares acima de outros - que merecem atenção entre os Contos do Nosso Tempo (julgo que ficaria melhor que o título referisse Contistas). Parecem-me muito poucos para um volume de quase quatrocentas páginas.


Contos do Nosso Tempo (Vários)
Esfera do Caos
1ª edição - Junho de 2012
384 páginas

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