quarta-feira, 8 de junho de 2011

Perdição contada

Acho que será fácil explicitar o ambiente deste livro dizendo que se passa no mesmo período e nos mesmos locais que Martin Scorsese nos soube mostrar no seu Gangs of New York. Um ambiente que, curiosamente ou não, continuou a preencher a cidade durante os 100 anos seguintes (que o mesmo Scorsese voltou a mostrar em alguns dos seus filmes essenciais).
A cidade é um atraente abismo e George escorrega cada vez mais para o seu interior à conta do álcool que circula com facilidade entre os amigos de ocasião.
Ele vai entre vícios e infortúnios, perdendo-se do rapaz que foi e que lá vai reaparecendo quando a consciência doi um pouco mais após a ressaca.
Nessa altura ele trata bem a sua mãe, com quem ainda vive e que lhe pede insistentemente que a acompanhe às suas sessões religiosas.
Ele vai mas sente embaraço. Como um miúdo a ser olhado que, pelo contrário, já se acha um homem quando é para fazer figuras impróprias (em público) à conta do seu vício.
A pobre senhora, religiosa longe do fanatismo e mãe orgulhosa, chega a tornar-se irritante para o leitor mas consegue ser a sua salvação.
Mas não é por nenhuma iniciativa dela - ainda que tenha tentado outras - que isso assim é, apenas, pela inevitabilidade das circunstâncias da vida.
Só o limite real de outra vida afasta George do limite decadente da sua própria.
O retrato do ambiente em que tudo isto se passa, do bairrismo familiar lado a lado com os exageros da bebedeira alarve, é extraordinariamente vivo e é de forma subtil que Crane conta a história, partindo deste retrato a dois para fazer a caracterização de um local e de uma época em que era fácil perder-se, fosse um personagem ou fosse o próprio escritor.

Já agora, antes de terminar este texto, o elogio da edição.
Saudoso que sou dos livros lá de casa onde havia uma introdução ao autor que era mais do que a biografia de badana (tendencialmente) inútil sobre os seus dois cães e a casa na praia, encontrei neste trabalho da Alfabeto um precioso esclarecimento que me mostra como sou desatento - este é o autor de The Red Badge of Courage que John Huston adaptou ao cinema, mas eu conhecia o filme e não o livro - mas me proporciona um entendimento da vida de Crane que é relevante para a sua obra - neste caso, o longo mergulho que ele fez na vida que viria a descrever.
Um cuidado adicional para com o leitor que só engrandece uma edição.


A mãe de George (Stephen Crane)
Alfabeto
1ª edição - Janeiro de 2011
406 páginas

1 comentário:

  1. Caro Carlos Antunes,

    Agradeço o elogio sobre o "cuidado editorial" das notas, que foram escritas por mim. Não sei se tem conhecimento, mas foi publicada nova edição deste livro em julho passado, com uma frase na capa que parece retirada desta sua crítica.

    Melhores cumprimentos,
    DF

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