domingo, 26 de junho de 2011

As capas deste livro não estão distantes o suficiente

Ambrose Bierce não é um escritor que se insira num género. Entre os seus contos encontramos o Fantástico e o Horror - umas vezes associados, outras não - mas também a Comédia feita pela aceitação (quase) normal das situações mais escabrosas ou absurdas.
Tanto a sua sensibilidade gótica como a sua invenção absurda têm em comum os dotes literários extraordinários de Bierce que tornam o seu conjunto de contos num corpo de obra.
As suas descrições são notáveis, plenas de detalhe e emoção. São um esclarecimento em eficácia de narração ao comporem o contexto que envolve o relato central do conto de uma forma que a mente acolhe de imediato e que nos preenche com o espírito certo para apreciar o texto.
A sua inventividade narrativa é deliciosa. Não há conto algum que não contenha um ponto de vista inesperado, uma inversão da expectativa de como a história é contada. Não se trata apenas de escolher um ponto de vista ousado, mas de levar esse ponto de vista a sugerir-nos ideias sobre a história com as quais o próprio conto poderá jogar mais adiante. Essas ideias são como um novo conto que se extrapola do conto escrito, um conjunto de construções autónomas pelas quais devemos assumir também a nossa responsabilidade, mas das quais Bierce é o mestre, como lhe convem.
Finalmente, as suas surpresas finais são recorrentes e sempre, mas sempre, inesperadas, sem por isso serem ilógicas. Ou seja, são finais, de facto, surpresa. Aquilo que hoje temos o hábito de chamar twists não têm origem numa inversão inesperada no destino das personagens ou no modo como algo ocorre. São mais complexas e, por isso, mais gratificantes. São mudanças de todo o sentido da história, alterando as ideias que a pessoa já criou pela forma como está a olhar a própria narrativa.
Dividi estes três elementos notáveis dos contos de Bierce, mas como devem imaginar estão todos intimamente ligados.
Sem o seu domínio da escrita ser-lhe-ia impossível elaborar estruturas narrativas tão inovadoras e sem estas ser-lhe-ia impossível inverter o próprio olhar do leitor para os seus finais.
A análise é, neste caso mais claramente do que noutros, muito mais pobre do que os textos que devem ser apreciados aos poucos. Ainda que se leiam rapidamente levando a que se percorram quatro ou cinco quase sem pausas, cada pequeno texto é um mundo literário que exige a delonga!
Cheguei ao título desta crítica rapidamente, invertendo o brilhante condensado de humor negro que é a crítica de Bierce "As capas deste livro estão distantes demais." porque, de facto, acaba-se o livro com vontade de ler mais contos do autor. Muitos mais.
O encanto dos contos de Ambrose Bierce (se não acontece já) deveria repetir-se a cada nova geração de leitores pela beleza um pouco macabra que é tão intensa hoje como foi na altura em que surgiu.

Contos de Ambrose Bierce (Ambrose Bierce)
Saída de Emergência
1ª edição - Novembro de 2010
240 páginas

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