terça-feira, 14 de junho de 2011

Dois autores

O melhor de uma nova edição de O Grande Gatsby, além da troca para uma capa mais interessante (embora seja provável que as leitoras discordem quando souberem que na capa da antiga edição Círculo de Leitores estava um jovem Robert Redford), está no facto de nos levar a reler um importante e belo livro que tínhamos deixado inanimado na estante há tempo demais.
A Clube de Autor recuperou a tradução que José Rodrigues Miguéis fez do livro e essa continua a ser uma excelente - não conheço outra tradução, portanto não direi a melhor - opção.
José Rodrigues Miguéis é um autor que me tem sido muito recomendado mas cuja leitura tenho visto adiada (motivos vários, deixemo-os de lado).
No entanto, logo a sua introdução - que os leitores estreantes devem ler no fim para que não lhes seja desvendado o final - é um belo pedaço de prosa, com tanto de biografia como de tratado que junta obra e vida.
A vida de Fitzgerald poderia em boa parte ser ficção e, mesmo não o sendo, a forma como José Rodrigues Miguéis a conta é invejável. Dá vontade de continuar a ler esse texto em vez de prosseguir para o livro per se.
Só que o livro é indispensável e se há algo que posso dizer nesta releitura é que a minha atenção não esteve apenas no desfecho (agora já não) surpreendente ou no retrato social do tempo do pós-I Guerra Mundial em que os crescimento e decadência culturais ainda eram promessas prestes a iniciarem-se.
Aquilo que desta vez o livro me contou foi a história do momento em que as personagens perdem a sua inocência.
Só não uma perda de inocência ligada ao materialismo acrítico crescente ou à evasão da lei da proibição em nome de um elitismo de classes.
Uma perda de inocência perante aquilo que outrora poderam ser e aquilo que agora têm de parecer.
Gatsby, o anfitrião esquivo que faz notar o seu dinheiro para reconquistar a mulher que amara (e que o amara) com um amor jovem e crente é um homem embaraçado que não sabe lidar com a fama que procura arrancar ao anonimato. O seu dinheiro é um meio para ele chegar a uma mulher mas é o meio pelo qual os restantes o medem. O que fora não o pode voltar a ser, daí que o seu nome já nem seja mais o mesmo.
Ele é o mais inocente dos personagens - e há muitos com a sua quota parte de inocência - porque a sua inocência é total, é uma inocência para o mundo como é depois de regressar da Guerra.
Daisy é a personagem que se lhe opõe. A mulher que ele ainda ama é a personagem que teve de perder a inocência muito antes e que, por isso, já une o passado e o presente, que ainda ama a pureza e que já ama o estatuto. E que, talvez, até ame já mais o estatuto.
Seria esta, igualmente, a perda de inocência da América que voltara a conhecer a guerra, e que com ela deixara de lado o seu papel de país assimilador de Cultura (termo lato em que englobo mais do que a Arte e a Sociedade) para se tornar dinamizador da mesma.
Não importava que o passado da América estivesse maculado - como o de Gatsby que fora bootlegger -, era uma jovem nação plena de possibilidades a quem entregaram mais influência do que sonhava então. Mas o amor aos valores do seu passado foram sendo engolidos pelo fervor dos anos 1920 - como Daisy, claro.
A inocência mede, quer nas personagens quer nos EUA, a passagem do tempo. Terá Fitzgerald sido o único a prever a desgraça para a qual o seu país se encaminhava?
Tenha ou não sido, fê-lo de forma magnífica, num livro breve mas com tantos outros significados sobre os quais escrever e com um ritmo interno inimitável.


O Grande Gatsby (F. Scott Fitzgerald)
Clube de Autor
1ª edição - Fevereiro de 2010
188 páginas

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