domingo, 10 de janeiro de 2010

Memória com cinema dentro

Os comunistas derrotados por Pinochet são agora quase ridículos.
De jovens reaccionários chegaram a velhos que procuram namoradas em sites da internet e contam com a noção do ridículo as peripécias dos seus tempos de militantes activos.
Estão agora reunidos para se reabilitarem perante si mesmo, para se recompensarem por aquilo que o seu país lhes negou.
Mas aquele que deveria liderá-los, o Sombra, um mestre Zen da revolução, morre a caminho da reunião ao levar com um gira-discos na cabeça que uma mulher zangada atira pela janela para se vingar do marido.
E é o marido dela que assumirá, então, o lugar de o Sombra, ele próprio um revolucionário tornado cinéfilo, com dotes de argumentista sem público.
Só que o grupo segue mesmo assim para recuperar o dinheiro de um dos velhos bancos ilegais que haviam sobrado quando o golpe de estado ocorreu.
Estamos perante uma comédia, feita de velhas memórias, esperanças aparentemente derrotadas e finalmente do sucesso inesperado e contra todas as previsões.
Contra os vários percalços eles lá conseguirão recuperar o dinheiro.
Por entre a tristeza natural que os ensombra, por entre o retorno das tristes memórias do que perderam com o tempo, conseguem uma recompensa para o que foram. O país finalmente dá-lhes algo de volta.
Algo que é, afinal, mais do que o dinheiro, é o estranho reconhecimento de memória que o detective a investigar a morte do Sombra tem para com eles, como se ele fosse o retrato da memória do próprio país, uma memória menos padronizada e mais revisionista para com heróis feitos dos eventos aparentemente menos admiráveis.
Um detective como já não se fazem, saído de um velho filme de Hollywood que o marido a quem agora falta um gira-discos tanto admira.
Podia ser o argumento de um filme, inusitado, feito sobretudo da preparação para os acontecimentos, com personagens caricatas a superarem-se a si mesmas. Podia ser uma simples revisão do que significaram estes homens para o Chile. Mas é a junção de ambos que o torna interessante.




















A sombra do que fomos (Luis Sepúlveda)
Porto Editora
1ª edição - Outubro de 2009
160 páginas

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