domingo, 8 de novembro de 2009

Contar o que não se deve

Augusten Burroughs é um desbocado capaz de listar os "broches sagrados" - que lhe foram proporcionados por padres -, tentar seduzir um operador de telemarketing para que a empresa dele nunca mais lhe ligue ou insinuar que o marido da sua colega de trabalho anda a fazer sexo com a própria filha como retribuição por ela ter gritado com ele sem razão alguma.
Mas nada disto parece uma exploração saída de uma imprensa cor-de-rosa sedenta de escândalo e choque.
Augusten Burroughs parece muito mais uma versão sem restrições nem limites da nossa vida quotidiana, de quem faz aquilo que bem entende perante as situações quase banais, tornando-as assim em motivo notável para a escrita.
Ele não tem vergonha, não porque pretenda fazer-nos abrir a boca de espanto mas porque aceita verdadeiramente a sua concepção diferente da vida e acha que partilhá-la será catártico para... o leitor, claro!
Se não fosse ele a escrever assim, seria impossível para aquela velhota confessar-lhe que a mãe lhe dava clísteres de Dr. Pepper e depois a obrigava a beber o líquido que saía.
A nossa própria vida ganhar contornos aceitáveis e partilháveis quando encontramos alguém igualmente para lá da "normalidade" - as aspas são para que tentem definir o que é, afinal, esse conceito.
Fácil é rir alto e bom som de tantos pormenores deliciosos que se soltam destas crónicas. Fácil é dizer "Só mesmo a um tipo assim!".
Difícil é depois ter de perceber que a nossa vida, tirando as notas mais extravagantes, não é tão diferente desta, mas que no nosso caso estamos um pouco mais constrangidos a ser boas pessoas e aturar o que se passa.
Augusten Burroughs coloca-se a jeito para que qualquer pessoa o ache seu companheiro, porque não se contam histórias assim na praça pública, não se é neurótico para uma audiência de desconhecidos porque isso atrai uma avalanche de bizarrias de volta.
Só que ele tem um certo sadismo apontado ao mundo, disposto como uma bofetada ou uma chamada de despertar. Cada um tem as suas próprias histórias negras a precisarem de catárse, de serem contadas em voz alta com histerismo e gargalhadas.
Augusten Burroughs apenas colocou as dele cá fora primeiro para dar o exemplo.


















Pensamento Mágico (Augusten Burroughs)
Contraponto
1ª edição - Julho de 2009
292 páginas

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