domingo, 20 de setembro de 2015

Estou com Fox

Escolher um polícia dos "Assuntos Internos" para protagonista é pouco habitual e um risco depois de tanto tempo de formatação do público com a ideia de que esses são polícias traidores do código de irmandade das forças da Lei.
O que isso não faz para tornar um personagem cativante é aquilo que Ian Rankin usa para uma construção mais complexa da personalidade e dos métodos de Malcolm Fox.
Ficamos a saber que foi a conjugação do seu perfil discreto e da sua eficácia que o levou àquele departamento.
Ele sente-se menorizado por essa espécie de reconhecimento que o levou àquele trabalho, como se não chegasse a ser um verdadeiro detective. Por isso é o primeiro a desejar cumprir com o seu período obrigatório naqueles posto e abandoná-lo.
Isso é, também, aquilo que o motiva a imiscuir-se num caso de assassinato quando se desloca a uma esquadra para avaliar o comportamento dos seus elementos depois de uma denúncia de abuso de poder para obter favores sexuais de detidas.
Malcom tenta mostrar que é um polícia dotado, dando também o flanco a que os seus adversários - também polícias - se atirem a essa sua fraqueza que é já não se ver como um deles.
A falta de integração é apenas acentuada pela posição que lhe foi dada, mas vem de trás, pelo que as suas novas funções lhe trazem mais intensidade à luta por voltar a ser o que sempre pretendeu ser.
A dinâmica defeituosa de Malcolm ser polícia dos polícias e tentar ser polícia como os polícias dão-lhe mais substância por via da imperfeição.
Ele acaba por ir quebrando as regras que devem reger o seu próprio papel como participante objectivo e, mais importante, imaculado.
Esse elementos cria a expectativa de que, num ponto futuro, a sua liderança de equipas dos "Assuntos Internos" possa ser posta em causa e que a visão que os colegas tinham dele possa vir a transformar-se.
Ao mesmo tempo mostra que há uma mais complexa dualidade no seu carácter que vai ser o pilar de muitos bons livros em que o desenvolvimento do seu carácter será tão importante como as tramas.
O trabalho de Ian Rankin no seu personagem é, portanto, um trabalho de fundo. Uma construção lenta que exige um investimento da parte do leitor que vê o livro aumentar em páginas quando a complexidade do caso não é tanta assim.
Felizmente essa caracterização é muito bem feita e temperada com diálogos de enorme precisão que dão um estilo ao livro que o torna num jogo de paciência sempre cheio de ritmo.
E a caracterização não vale só para Malcolm Fox, vale também para os cenários Escoceses que são novos com um toque de familiaridade perante outros policiais Britânicos.
A inclusão do elemento histórico e político da luta separatista do país contribui de forma mais específica para que o livro se distinga e trabalhe com temas menos habituais para leitores estrangeiros.
Não que isso signifique que o autor consiga criar uma influência expressiva desses actos de há trinta anos (e dos seus crimes caídos em esquecimento) no presente. O separatismo fica como elemento e não como razão da trama.
Ainda que a coesão da mesma não seja em nenhum momento colocada em causa! Diria mesmo que Ian Rankin é um mestre da estrutura que aqui falhou no que ela suporta.
Com excepção do protagonista que se sustenta a si mesmo!
Sendo um segundo livro dedicado a Malcolm Fox, não foi na relação com ele que sinta qualquer falha e creio que se podem ver todos os elementos que o manterão como motivo para seguir lendo as suas investigações.


Uma Morte Impossível (Ian Rankin)
Porto Editora
1ª edição - Abril de 2015
448 páginas

Sem comentários:

Enviar um comentário