quinta-feira, 24 de junho de 2010

A bela guerra

Olha-se para a capa de Se Houver um Paraíso e aquele perfil a contraluz é de uma beleza inquestionável. Não importa que ele esteja a perscrutar o horizonte para enfiar com precisão absoluta uma bala mesmo no meio dos olhos de uma outra pessoa.
Assim pode a arte transformar a guerra num motivo de admiração e beleza, sobretudo se tem uma linguagem rica, inventiva e enérgica como este livro.
A partir dela ficamos invejosos do grau de camaradagem que estes soldados vivem. Das suas provocações, piadas, lutas e partilhas. Das suas emoções mais palpáveis do que as de quaisquer "civis" e das formas que inventam para lidar com elas, de as experimentarem e de as reprimirem, de se deixarem ir com elas.
A arte, como a guerra, não é moral. É um acto, quanto muito uma interpretação. A moralidade de tudo isso vem da nossa avaliação de tais actos. Se sentimos vergonha de invejar a vida daqueles que sofrem no interior do conflito, é a nossa consciência que a isso obriga. Se sentimos embaraço de admirar a beleza da morte, é a nossa susceptibilidade que nos afecta e não a obra em si.
A arte está para nos despertar um olhar sobre algo que tem de nos manter interessados para que sozinhos possamos depois reflectir.
Se invejámos a camaradagem, também acabaremos aflitos e emocionados com as perdas destes homens. Não somos, afinal, menos humanos, portanto, não precisamos de nos amedontrar com o que de errado se passa connosco.
O livro faz da presença israelita no Líbano um admirável trabalho, fascinante, mas que acarreta emoções. Como a silhueta da capa, é bela quando nos chega aos olhos, mas é perversa quando nos toca a consciência da nossa própria percepção.
O fascínio é profundamente humano, tal como o acto da guerra, tal como a emoção. Tudo tem o seu lugar, errado é não admitir que todos estão dentro de nós, de uma forma ou de outra.


















Se Houver um Paraíso (Ron Leshem)
Contraponto
1ª edição - Fevereiro de 2010
296 páginas

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