sábado, 19 de dezembro de 2009

Um prémio ganho

Marçal Aquino recorre a uma citação de Sam Peckinpah para dar mote ao seu livro, e dificilmente haveria autor mais indicado.
As personagens de Aquino são homens que vivem à flor da bala mas que guardam uma melancolia pela possibilidade de uma vida onde eram menos solitários, senão mesmo felizes - se alguma vez se aperceberiam de tal sensação.
Eles estão para lá da consciência dos seus actos, mas nunca para lá da consciência de si mesmos.
Se vivem embrutecidos e insensibilizados para com aquilo que fazem, continuam sensíveis a si mesmos, mesmo que seja por mero egoísmo.
Claro que as duas vidas que levam acabam por colidir e tudo rebenta das emoções que eles parecem não saber sentir, se calhar nem sequer conheciam.
Então o calculismo cínico ou a paixão desabrida revelam-se extremos que nunca se poderão complementar. O resultado é apenas a solidão e a mulher que poderão ter é a sua arma.
Bem, nem todas as personagens são assim. Há também os homens que atravessam o mundo mentindo, fodendo e matanto sem mais.
Eles deixam um rasto de corpos, uns vivos e outros mortos, tão vazios como o seu próprio coração.
Estes podem parecer personagens secundários, esquecíveis. Mas eles são essenciais para que os restantes consigam medir-se a si próprios.

Não são só personagens na vertigem da violência humana que fazem esta obra memorável.
Marçal Aquino tem a arte de construir um texto que torna a Língua Portuguesa numa delícia saborosa.
As palavras parecem brotar na linguagem das personagens com toda a naturalidade, pérolas lançadas no momento correcto.
É daqueles casos em que a leitura deixa de ser silenciosa e começa a ressoar dentro da nossa cabeça, repetida uma e outra vez até que lhe encontremos o sotaque, a entoação e o ritmo preciso.
Como se nos fosse dada a hipótese de descobrir a música para uma letra que já está escrita.


















Cabeça a Prémio (Marçal Aquino)
Quetzal
Sem indicação da edição - Março de 2009
158 páginas

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