terça-feira, 15 de dezembro de 2009

De coração exposto

O coração não pode ser controlado, nem sequer quando depende da precisão de um relógio para que o seu portador possa viver.
O coração é indomável, fonte de dor e de desespero, fonte de desejo e de tormento.
O coração que bate descompassadamente atemoriza mas torna tudo mais ardente.
Por culpa desse coração, incapaz de não revelar a verdade que tem dentro por culpa do bater do relógio que tem por fora, o nosso protagonista parte em busca de uma mulher.
Para essa busca parte com Georges Méliès, ele próprio determinado a oferecer à mulher que ama a viagem até à Lua que o leitor conhecerá bem.
Quando a busca finalmente termina, um ramo de óculos toma o lugar das flores como declaração à mulher amada, ela que transporta uma voz de anjo mas embate contra tudo o que está no seu caminho.
Eles serão figuras de estranhos espectáculos e amar-se-ão nos fundo de um comboio-fantasma.
Assim é a trupe de estranhos seres, mágicos da realidade, desalinhados da lógica, tão magníficos, todos eles vividos em torno do tal coração.
Um coração que envolto no seu mecanismo não conseguia tornar-se mais sólido, mas colocava o coração ainda mais exposto.
Afinal a precaução é inimiga da paixão e a paixão é inimiga da precisão. Se um coração quer bater veloz e sem direcção, então o tempo será forçado a parar, o que para alguém que depende dos ponteiros não é boa notícia.
E Mathias Malzieu assim escreveu um pequeno encanto, verdadeiramente saído do coração, com vontade de conter uma outra hipótese de realidade, aquela onde tudo é ainda possível, um passe de mágica capaz de falhar.
Como ao incrustar um relógio num coração, a salvação de um corpo e a ameaça de toda uma vida.
Só há um apontamento a fazer a Malzieu, que algumas das suas metáforas tirem o leitor do registo mágico e temporalmente assente onde assenta a sua história.
Para um homem a viver no final do século XIX, Charles Bronson não é senão um nome sem sentido e o helicóptero, mesmo tendo surgido ainda na época, dificilmente estaria já divulgado.
Felizmente são poucas estas ocorrências e o leitor pode permanecer encantado.


















A mecânica do coração (Mathias Malzieu)
Contraponto
1ª edição - Outubro de 2009
144 páginas

1 comentário:

  1. oi, estou seguindo teu blog.
    Eu ja li esse livro, é ótimo mesmo.
    Adorei esse blog, tem muitas sujestões boas :D
    bjos

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