sábado, 4 de abril de 2009

Vida aos livros


Decidi-me a escrever esta crónica a propósito da minha recente desistência na leitura de A Pátria dos Loucos.
Ainda me lembro do primeiro livro que não li até ao final.
A Paixão Turca era o seu nome - corrijo, ainda é, pois o livro ainda existe na estante da minha mãe - e a sua leitura arrastava-me sem misericórdia.
Já tinha chegado à página 70 e aquela profundamente feminina consciência (de um género que aproximaria de um Sexo e a Cidade sem pudores) penava sobre mim.
A dor de abandonar aquele livro a meio pesou sobre mim. Lembro-me da angústia que atencedeu a decisão e da consulta ao meu pai - e mentor bibliófilo.
Acabaria por ser a sua concordância o passo decisivo para que finalmente seguisse para outras paragens literárias.
Já lá vão muitos anos sobre este episódio e, desde então, perdi o pudor de abandonar um livro que não me arrebate, me desafie ou me intrigue.

Há poucas semanas, Paul Schrader falava ao Ípsilon a propósito de uma ocasião em que, na condição de crítico de Cinema, se deixou dormir na sala.
Dizia ele que as horas que passava na sala a ver o filme eram mais importantes para ele do que os dez anos que o realizador passara a fazer o filme.
É uma ideia perfeitamente esclarecida.
Não se pode desperdiçar tempo com objectos - neste caso, livros - que não representem no seu tempo de leitura os mesmos meses, ou anos ou toda uma vida, que representaram para o escritor enquanto o escrevia.
Por isso é que arbitrei, desde A Paixão Turca, as 30 páginas que referi na crítica.
São o meu limite imposto para que um livro ganhe vida.
Se em 30 páginas um livro não "nascer" em mim, não arrancar nem um breve momento de emoção, então não lhe permito que me continue a prender por muitas outras páginas.
Este leitor tem o seu direito a viver verdadeiramente outros livros!


A natureza morta que ilustra esta crónica pertence à obra do pintor holandês Jan Davidszoon de Heem.
A ele o meu obrigado.

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