domingo, 5 de setembro de 2010

Entender o mundo quotidiano

Se o relato de uma viagem prima pelo mundano arrisca-se a parecer ridículo, sobretudo se vem de alguém como Agatha Christie, cujo reconhecimento e talento poderiam fazer esperar algo mais substancial.
Claro que isso seria esquecer algo muito importante que a própria autora diz ao início do livro e que nega o pouco crédito que ela dá a esta crónica inconsequente: é do quotidiano que nasce a percepção do passado.
Considerando que Agatha Christie estava envolvida numa viagem com fins arqueológicos onde amuletos e utensílios ganham em importância a jóias.
A banalidade traduz melhor os costumes do que o excesso - a menos, claro, que toda uma época seja um excesso por norma própria.
Por isso os seus apontamentos sobre as reacções dos muitos trabalhadores com quem lida servem para traçar o perfil da comunidade em que se inserem.
Com tantas nacionalidades, religiões e características diferentes desses trabalhadores, aprendemos a distingui-los pelas suas reacções, aprendemos a ajuizá-los melhor segundo as suas próprias crenças traduzidas nos actos comuns.
Claro que a ideia final não será exacta mas, para um relacionamento superficial como a maioria de nós poderá vir a ter com tais populações, serve para apagar preconceitos e para nos tornar mais atentos àquele canto do mundo.
Esta interpretação sociológica de como funciona o relato não invalida algo que, literariamente, é aqui essencial.
O livro convoca personagens reais que nos interessam, com quem gostamos de ter contacto, que mesmo quando são irritantes ou nocivas são confortáveis para se "ter por perto".
As situações inusitadas divertem-nos e os hábitos locais deixam-nos um pouco incrédulos.
Este é o papel essencial do livro, um relato solto e humorado com a autora a rir-se de si própria e de tudo o que venha ao caso.


















Na Síria (Agatha Christie)
Tinta da China
1ª edição - Julho de 2010
288 páginas

Sem comentários:

Enviar um comentário