quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A escrita de um pensador

Kleist é um pensador. Um pensador de uma eloquência e de uma pertinência incontestáveis.
Isso não impede que seja um pensador com quem é possível identificarmo-nos e com quem é possível debatermos.
É um pensador que aponta sempre à evolução, à progressão de ideia para ideia até encontrar o sentido último do que começou a dizer.
Um dos seus textos, aliás, versa exactamente sobre isso mesmo, sobre a constituição das ideias à medida do discurso, de como estas se compõe e modificam perante as palavras e os sentidos inesperados que se tomam ao longo do discurso.
Por isso mesmo, por ser um pensador assim, é um pensador com as suas idiossincrasias, dualidades e erros.
Mas a essência do que ele diz vive para lá de quaisquer defeitos que queiramos apontar à composição do discurso.
A sua pertinência não seria maior se todos os seus textos fossem refinados a um ponto em que nenhum pequeno defeito lhes pudesse ser apontado, ao ponto em que a linguagem estivesse tão densamente reconstruída que fosse já impossível pensar as ideias do texto por ser preciso antes pensar o texto ele próprio.
E isso é mesmo o mais prazeiroso de tudo, o encontro com a inventividade literária com que Kleist escreve.
Seja sobre a forma de carta, de fábula, de oração religiosa ou de ficções construídas em nome de personagens em cuja pele faria mais sentido opinar como opina, Kleist constrói uma obra muito rica e interessante, cujo prazer rivaliza com a sua riqueza.
A fluidez das palavras, a qualidade destes textos acaba por melhor fazer afluir as ideias com que nos presenteia.
Nem a forma nem o conteúdo tentam ser a componente mais rica deste trabalho, antes a forma parece sempre a mais propícia a elucidar-nos sobre o tema em causa.
Tema esse que pode passar da estética à política, da arte à sociedade, da intelectualidade à natureza.
Nenhum tema parece contraditório ou simples para Kleist, porque é na forma como ele os trata que a sua coerência se revela.
Kleist reflecte sempre contra o pessimismo dominante, contra o erro instituído e contra o facilitismo generalizado.
Por isso ele precisa da vivacidade e da paixão da sua linguagem, para fazer vingar o seu discurso e as suas ideias, para obrigar a que as retamos e trabalhemos.
E consegue-o, sim, como o consegue!


















Sobre o teatro de marionetas e outros escritos (Heinrich von Kleist)
Antígona
1ª edição - Junho de 2009
160 páginas

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