Desta vez Rubem Fonseca escreveu um livro que é uma autobiografia dos seus primeiros anos. Ou julgamos que é, queremos acreditar que sim.
Ficamos a saber que Rubem Fonseca, que sempre cultivou uma certa violência de abordagem, está demasiado perto de si mesmo para revelar mais do que já fez.
Mesmo se escreve na terceira pessoa, para se distanciar da personagem José que leva o seu primeiro nome e que guarda a sua origem portuguesa, não consegue Rubem Fonseca deixar de se levar pelos sentimentos.
Até um velho autor duro lacrimeja quando escreve sobre a mãe, o primeiro amor, a descoberta da literatura, a descoberta do sexo, entre outros temas que formam o carácter de um homem enquanto ele ainda não é adulto - o livro termina aos 29 anos de José, o que nos deve fazer
Alguns destes temas acabariam por se tornar os temas constantes do autor - ou não tivesse Rubem começado a escrever logo aos 18 anos, num livro que se perdeu e que adiou o escritor até, quase, aos 40 - e são os que surgem melhor tratados, por serem naturalmente seus.
Para os outros, aqueles que não podem terminar em ironia violenta, Rubem parece ter pouca prática e demasiado coração. Como quando escreve sobre a mãe e como os restos dela eram a delícia dos três filhos.
O relato é de uma descrição directa, mas é impossível não ler uma metáfora para a qual tocante é o adjectivo obrigatório. Estilisticamente Rubem claudica, treme-lhe a mão, e ele vai povoando o parágrafo com redundâncias frásicas.
São pedaços de texto onde o controle do escritor sobre o homem falha e, portanto, aqueles em que Rubem é verdadeiramente José.
Entre os pedaços de prosa ora de Rubem ora de José, fica o espaço para as referências várias, sobretudo a escritores portugueses, que moldaram o homem e libertaram o escritor para o que ele sabe fazer com as palavras. Afinal, ele escritor é quem refere que "a melhor inspiração ... é sempre encontrada nos livros".
Nas referências também faz ressoar a ligação que tem tanto a Portugal como ao Brasil, origens parentais e literárias.
As descobertas de José são as memórias de Rubem e os ensinamentos do leitor, no caso de não conhecer, não valorizar ou não usufruir dos homens que formaram a maneira como o autor usa a Língua Portuguesa, sem leis restritas - acordos, se preferirem - para dizer como é a ortografia. Aqui é conhecer profundamente a Língua e os seus escritores maiores para depois inventar melhor.
Uma maneira, também, de religar as duas margens do Atlântico que já partilhavam o talento dos seus melhores escritores antes de lhes dizerem para padronizarem a escrita.
Julgo que essa é a missão que Rubem guardou para o seu livro, a de usar a sua ascendência portuguesa para apelar à memória da ligação que está por construir.
Admira-se a sua intenção, mas não a maneira como ela o faz dispersar-se no momento de afirmar que o Passado era melhor.
Porque Rubem lá vai escrevendo que o Passado literário era melhor, para acrescentar que também o Passado brasileiro era melhor. Os elogios de tempos em que orgias se faziam à porta fechada parecem um anacronismo num autor que nunca dispensou o Brasil violento como alvo da sua melhor literatura.
Porque Rubem lá vai escrevendo que o Passado literário era melhor, para acrescentar que também o Passado brasileiro era melhor. Os elogios de tempos em que orgias se faziam à porta fechada parecem um anacronismo num autor que nunca dispensou o Brasil violento como alvo da sua melhor literatura.
Como leitores aceitamos que Rubem tenha sentido, do alto dos seus (então) 86 anos, a vontade de voltar a ser o menino José por algum tempo.
Aceitamos, também, porque discreto como é nos permite assim sondar um pouco mais da sua figura, mesmo que ao mesmo tempo adense a sombra de ficção que sobre ela paira.
Mas deixamos-lhe o aviso de que não aceitamos que se volte a deixar perder, literariamente, nos meandros de uma emoção que lhe atrapalha o domínio que tem sobre a Língua Portuguesa.
Porque se há prazer nesta leitura, é pelo jogo de espreitar para detrás da cortina (de uma delas, pelo menos) e descobrir o homem que continuamos a moldar através da sua ficção (deverá haver outra cortina a esconder o homem por detrás desta figura).
Enquanto obra literária não é um livro de Rubem como os que nos enchem de prazer, revelem-se obras maiores ou menores do seu percurso.
Rubem Fonseca escreveu sobre a sua (possível) infância, mas esta é antes uma biografia da sua velhice - e da velhice humana, desconfio - que tem de materializar - em palavras, neste caso - as memórias afectivas e a sabedoria pedagógica dos seus anos acumulados.
José (Rubem Fonseca)
Sextante Editora
1ª edição - Outubro de 2012
112 páginas
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