Pequenos Prazeres era, fundamentalmente, sobre os homens - e um homem em particular, Arthur. Pois a sua sequência versa, sobretudo, sobre as mulheres - e uma mulher em particular, Clara.
Trocaram-se as posições e passaram agora a ser elas as humilhadas de forma directa. Embora consigam sempre humilhá-los a eles por acréscimo, enquanto a alarvidade deles tende a torná-las mais nobres.
Quanto muito, as mulheres tratam-se com acinte entre si e permitem que os homens se ridicularizem autonomamente.
Começa por aí a transformação de Pequenos Prazeres para este segundo tomo, dando maior protagonismo às mulheres para que estas não sejam apenas "desenhos marotos" nas piadas tendencialmente brejeiras de um homem.
Para mim não há dúvidas que esta transformação deve ter sido intencional, para equilibrar o protagonismo e o sofrimento dos dois sexos, passando tal pela inclusão de uma argumentista.
A presença de Maïa Mazaurette é notória e notável por um conjunto de factores em que o maior deles é, sem dúvida, o limite daquilo que ela arrisca.
Ela sujeita as suas personagens femininas a situações que um homem não ousaria representar. Sobretudo quando essas situações são causadas pelas próprias mulheres.
Avanço duas hipóteses para tal. Ou um homem não consegue imaginar a fundo a realidade feminina ou um homem tem medo de passar a ser visto como um misógino.
Parece que o tabu de que falei a propósito do primeiro tomo continua. Não porque não se represente e brinque com o sexo, mas porque cada sexo retrai-se ao fazê-lo com o que está do outro lado da barricada desta velha guerra.
Creio que a liberdade para tocar em temas mais arriscados com a presença de uma voz feminina permite engrandecer o humor que tem, sempre, uma acentuada componente visual.
A representação exagerada das más decisões, tribulações e vícios destas mulheres são excepcionalmente divertidas porque estão naquele ponto em que as mulheres os reconhecem sem os quererem admitir e os homens os descobrem sem os conseguirem crer.
O que Maïa Mazaurette também traz ao livro é a construção de uma narrativa a longo prazo - sobretudo na segunda metade do livro - que explora de forma mais interessante as duas personagens centrais, Arthur e Clara, e as intermitências da sua relação.
O primeiro livro causava um maior sentimento de estar a ler uma série de ideias que só ocasionalmente se uniam pela presença de um mesmo protagonista.
Este traço de disposição da história leva a que as personagens secundárias que entram e saem à medida das necessidades consigam integrar-se num mundo menos genérico, um universo onde cada uma delas poderia ter o seu próprio conjunto de pranchas complementando aquilo que Arthur e Clara ainda não experimentaram.
Como livro, Pequenos Prazeres 2 é mais uno tornando a leitura imparável mais gratificante do que seria (como para o primeiro tomo, portanto) espaçada nos dias como pranchas publicadas em jornal.
Por isso há que fazer o elogio da editora que decidiu, bem, transformar em dois os quatro tomos da edição original. Com isso reforçou as semelhanças entre os livros agregados uns com os outros e as diferenças da primeira metade da série para a segunda.
Entre a mulher no livro e a mulher do livro, aquilo que se conclui é que o toque feminino era essencial para que o sucesso da série continuasse e se justificasse. Mas o prazer maior ainda é ler todas as páginas consecutivamente.
Pequenos Prazeres 2 (Arhtur de Pins e Maïa Mazaurette)
Contraponto
1ª edição - Novembro de 2012
192 páginas
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