sábado, 24 de setembro de 2011

Instantes de uma voz

Ru é um daqueles livros para o qual serve muito bem uma expressão que me é estranha,"é capaz do melhor e do pior".
No romance da sua própria biografia Kim Thúy escreve pequenas partilhas - são comuns os "capítulos" de uma página só, mas chegam a um mero parágrafo - ora como confissões sussurradas em privado nos quais não quer ir mais longe (naquele momento) ora como histórias partilhadas em grupo que têm de terminar num clímax.
Desses dois tipos de formas de relatar a sua vida são as histórias que interessam, terminadas com aquela ironia humorada que só quem atravessou aquela realidade pode aplicar ao relato.
As confissões sem filtro emocional parecem próprios à aparição no programa da Oprah (ou aquilo que imagino que seja o programa, à falta de canais onde ver tal coisa). Deveriam acabar com pequenos choros semi-contidos e o aplauso da audiência que se espanta com o grande exemplo de vida daquela mulher antes de surgir a próxima história triste.
O problema na amplitude entre estes dois momentos é que se passa de uma sedução pela voz narradora a uma aversão à exploração de uma voz indefesa.
Voz que usa sempre de uma certa toada poética casual, fruto da sua própria sensibilidade, mas que só funciona como aprofundamento do que está para lá das palavras quando a sensibilidade tem a defesa da ironia.
Essa voz fala do Vietname, da vida em fuga, da adaptação a outro país e de uma existência na sombra de outras pessoas.
Contando a sua vida, a narradora está (finalmente?) a sair da sombra, mas são as sombras em que viveu que a tornam interessante, nem mesmo a forma como venceu as dificuldades da fuga e da adaptação.
Como a maioria das pessoas que fogem, o que têm de interessante são as histórias de que fugiram. Os motivos para partirem para um lugar seguro esclarecem-nos muito mais do que a história da passagem a uma vida ocidentalizada - e banal.
Ru, um livro que se lê num instante, é demasiado pequeno para percorrer com tempo os muitos momentos da vida da narradora que deveria, para bem do leitor, ter falado mais do passado que tornava a sua voz única.


Ru (Kim Thúy)
Alfaguara / Editora Objectiva
1ª edição - Fevereiro de 2011
148 páginas

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