domingo, 18 de setembro de 2011

Guerrilha literária

Marcelo Ferroni abre o livro com um prefácio escrito "a contragosto" onde ele se queixa da forma como a sua editora tratou o seu livro. Atitude curiosa de quem é, primeiro, editor e só depois um estreante romancista.
A editora indicava-lhe que o livro tinha problemas de ritmo e que havia que considerar os leitores que não estivessem familiarizados com a figura de Che. Ele não lhe queria alterar sequer uma linha.
O autor lá escreve, com uma ponta de arrogância e muito enfado, a breve introdução à vida de Che só para terminar o prefácio dizendo que antes quer contar uma história de amor que veio antes dos últimos tempos de Che na Bolívia.
A partir daí vem um relato demorado em jeito de ficcionalização de uma demorada investigação bibliográfica. Por isso o texto tem demasiadas referências e citações que carregam o texto, matando-lhe o ritmo.
O mesmo que se passa com a sucessão de personagens, que se cruzam com a figura que interessa ao romance, mas que não nos interessam e que só fazem as páginas divergir para acontecimentos que não contam para o leitor - que, provavelmente, até sabe quem Che é mas não o vê surgir no livro como uma personagem que se possa acompanhar.
Marcelo Ferroni aproveita, também, para colocar o mecanismo de escrita à mostra, para o incorporar na forma do livro, falando do próprio acto de transformar em romance os relatos e diários de quem estece com Che.
Estes são formas de tornar o livro num relato enriquecido, mas que se tornam problemas ao fazerem o leitor sentir que está diante de uma biografia estilizada para leitura menos académica.
E são problemas que, certamente, faziam parte do leque de queixas dos editores do livro. Problemas que persistiram, provavelmente porque a insistência dos editores esmoreceu quando o prefácio surgiu para mostrar quem fora Che.
Nem todo o livro é assim. A partir de um certo ponto, já com Che na Bolívia praticando uma guerrilha falhada em contradição com os conceitos que ele próprio definira, o ritmo acelera e as citações esbatem-se melhor no texto.
Nessa altura, além de olharmos directamente para Che como era legítimo esperar desde o início, há uma ironia muito forte e bem medida a elevar-se dos eventos que marcaram os grandes falhanços daquele período em que Che andou à deriva.
Aí se vê que nenhum homem resiste ao seu mito, que ninguém é imune a tornar-se um símbolo antes de tempo (antes da morte?).
Che é mais humano aqui porque falha com a imagem de Che que usam para vender t-shirts estampadas com a sua cara.
Não digo que não fosse importante saber os motivos "teóricos" que levaram ao falhanço prático, mas havia muita informação a ser desbastada e uma boa hipótese de imaginar mais ricamente os espaços da floresta boliviana.
De facto, como a editora dizia ao autor, "havia coisas boas, grandes momentos de acção" mas para chegarmos a cada um desses refúgios temos de atravessar várias adversidade no caminho.
Uma espécie de guerrilha por entre o mato das palavras que devia ter sido mais combatida pela editora do que pelo leitor.


Método Prático da Guerrilha (Marcelo Ferroni)
Publicações Dom Quixote
1ª edição - Março de 2011
páginas

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