sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Ainda à espera




Aqui se encontra a banalidade sobre a doença mental. Retratada com o maior lugar-comum deles todos, a mitificação.
Nada mais do que o acrescento de peculiaridades a um melodrama para gerar sensações de magia que disfarcem a incapacidade de superas a condição de melodrama a puxar ao sentimentalismo.
Só o título de À Espera de Bojangles tem ambição, fazendo referência à obra de Samuel Beckett. O que vem depois tem a leveza do que não quer ser incómodo.
Dar à doença mental um tratamento que apazigua os que mal a conhecem e a torna até caso de atracção. Tão simpática que é quase uma característica salvífica.
Pode trazer um desfecho trágico mas, sendo um mero apontamento na história, causa inveja de não haver convivido com ela.
Isto porque Olivier Bourdeaut não quer gerar um verdadeiro confronto dos seus efeitos animadores com a realidade que depois se revela.
O lado festivo, tão festivo que descamba em cartoonesco - tem de prevalecer e toda a gravitas é eliminada ao longo das páginas.
O autor não sabe como alcançar essa virtude de apenas fazer rir o suficiente para desarmar o leitor perante a verdadeira dimensão da tragédia.
Por isso é que tem de recorrer à escrita do adulto da família para fazer o contraponto à narrativa do filho daquela loucura.
A ignorância da voz infantil é um truque e não um instrumento do autor. A voz de um filho que prefere acreditar nos seus pais a conhecer a verdade do mundo.
Só que essa é uma voz estranha, a de uma criança que já não o é. Tornou-se adulto, descobriu o texto do pai e compreendeu os factos que estavam por detrás da fantasia que criaram para ele.
Uma voz incorrecta, prolongando sem sucesso a crença de outrora. O erro de duas idades numa mesma tentativa de expressão revelando a incapacidade do autor em sintonizar uma voz de criança como seria o seu desejo.
A alegria fantasiosa que cega os males do mundo a ser interrompida pela insensibilidade - de personagem e autor - que trata os doentes anónimos como "decapitados mentais".
A voz é tão mais difícil de tomar como credível quanto não se vê nenhum episódio que afecte o seu dono.
O narrador, mesmo privado de qualquer sólida forma de educação afectiva, passa por aquela vida de invenções e fugas sem consequências de longa duração.
O que se compreende visto que Bourdeaut não faz dos episódios senão peripécias de final feliz em que pode espraiar aquilo que a língua Inglesa apelidaria de quirkiness.
Uma característica perseguida de forma inconstante. Presença forçada no início do livro - muitas vezes sob a forma de trocadilhos pedestres - para ser explícito ao que vem.
Depois apaga-se durante longos períodos, possivelmente à conta da falta de uma constância da imaginação, para reaparecer no episódio da fuga.
O crédito inicial, a par do efeito desta cena central do livro, têm de servir para temperar a ideia que se faz do resto do livro.
Justo é dizer que se fica à espera de arte neste livro e só se encontra a da canção na voz de Nina Simone (e, já agora, na voz de alguns outros, bem seleccionados).


À Espera de Bojangles (Olivier Bourdeaut)
Guerra & Paz
1ª edição - Abril de 2016
198 páginas

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