sábado, 8 de julho de 2017

Felizes os que não se medem




Tudo falha na vida de Daniel e ele opta por reger-se por um índice de concepção duvidosa. Isso permite-lhe chegar a uma concretização mental pela qual ele se pode volta a definir enquanto pessoa.
Um número passa a ser a afirmação do seu espaço contra a mágoa própria e a desconfiança alheia.
Algo que ele pode visualizar para si mesmo e vocalizar perante os outros. Algo que torna simples definir a complexidade dos sentimentos - um simplismo que convém aos homens que não se querem avaliar devidamente.
Rapidamente ele começa a refazer a sua avaliação pessoal, numa progressão numérica que o coloca de forma crescente acima da média do país.
David Machado cria um protagonista que ele acredita ser, na sua plenitude, optimista e que por esse motivo vai por diante apesar de todos os percalços.
Daniel não é um optimista de tão grande estirpe, precisa de convencer-se a si próprio do mérito da teimosia em permanecer onde está em vez de se refugiar no seio da família e num reinício menos glamoroso.
Sempre que coloca o índice da sua felicidade um pouco mais alto está a elogiar o seu próprio espírito e a tentar afirmar-se como extraordinário por, na mesma situação de tantos milhares de pessoas que perderam o emprego e a casa, ele guardar a sua felicidade.
Por esse método ele sente-se um ungido, o que justifica a sua decisão de contrariar qualquer assomo de lógica que tenha.
Afinal, ser muito feliz num país miserável é muito mais digno de nota do que ser muito feliz num país feliz.
Há grande probabilidade de, no campo da felicidade, Daniel ser um mitómano e não um verdadeiro optimista mas o estreitamento dessa fronteira fica por explorar ao longo do livro.
O autor escolhe um caminho tortuoso para chegar ao final feliz, o que não é suficiente para colocar em causa o carácter simples que ele quer criar para o seu protagonista.
David Machado segue um outro caminho para trazer corpo ao seu universo, acrescentando peculiaridades aos personagens secundários e lançando-os em pequenas complicações emocionantes até que embarquem na sua grande aventura, a viagem numa carrinha que os leva até à Suíça.
A viagem que tudo complica antes de tudo compôr e de colocar em evidência o que é essencial à felicidade.
O livro vai insuflando os leitores de bons sentimentos que o façam reavaliar a realidade do livro - e, depreende-se, a realidade do Portugal que há data da publicação continuava mergulhado na crise e nas suas consequências.
Bons sentimentos que tornem as manias irritantes dos personagens em traços que favorecem a nossa simpatia.
Que por sua vez serviria para levar à desculpabilização das decisões pouco ajuizadas dos personagens e despropositadas para o carácter deles, ainda que essenciais para fazer andar a trama.
Tanto quanto David Machado faz da sua escrita ritmo, assim ele usa recursos de manipulação do seu universo pouco consentâneos com uma obra de ficção que com alguma monta quer abordar as dificuldades do país e questionar a configuração que este tem para um pessimismo eterno.
Por via do sentimento geral e do estilo - que vai até à forma da aventura essencial que percorre - o livro aproxima-se de alguns filmes americanos: indie, feel-goodquirky.
A adaptação cinematográfica, cuja estreia se aproxima, só provará a afinidade maior com esse estilo de uma outra linguagem artística que valoriza o direito à elevação do índice médio da felicidade durante a sua duração.


Índice Médio de Felicidade (David Machado)
Publicações Dom Quixote
1ª edição - Agosto de 2013
256 páginas

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