segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Nenhum homem é uma ilha... paradisíaca

O detective Fin Macleod é arrastado de volta à sua terra natal para a investigação de um crime que se relaciona com um outro que lhe coubera investigar em Edimburgo.
Arrastado em vez de atraído ou chamado, porque esta ilha de Lewis é uma grilheta que pesará para sempre, mesmo em quem a abandonou há décadas.
A própria ilha parece rejeitá-lo, primeiro na forma dos polícias locais que dispensam a sua ajuda, para depois o parecer fazer também com o seu clima agreste.
Será verdade que Fin vai recuperando algumas memórias com pequenos laivos de alegria da sua infância, só que estas acabam sempre por se transformar num sacrifício de retorno ao passado.
Afinal falamos de uma ilha onde ainda se realiza um rito de passagem à idade adulta:  a matança dos gugas. Um acto sangrento num ponto ainda mais isolado e inóspito do que a própria ilha.
O rochedo onde vão para a caçada ameça com a morte. A morte rápida pois a morte lenta já é vivida pelos habitantes da ilha.
As memórias de Fin mostram ainda alguma vida, vinda da juventude que lhe assistia, um contraponto mais intenso às deambulações actuais do detective.
Cada pessoa que ele interroga e cada cenário que ele visita adicionam uma camada mais à noção de que aquela ilha se vem tornando num túmulo da comunidade que outrora lá existiu.
Um túmulo coberto por uma atmosfera - magnificamente descrita por Peter May - que torna tudo ainda mais desolado e sombrio.
Aquele que deveria ser um lugar inabitável mantem cativos todos os que a partir de lá sonharam com outra vida.
Conhecendo aquela ilha vamos compreendendo a personalidade de Fin, sempre capaz de destruir as poucas bençãos que recebeu.
Demasiados são os fantasmas que continuam a caminhar lado a lado com as pessoas de Lewis, carregando a culpa dolorosa que eles deveriam deixar de sentir.
Alguns desses fantasmas estão, evidentemente, iludidos de que têm vidas a viver quando esta lhes foi sugada pela própria ilha que em troca lhes ofereceu o peso do Passado e o vazio do Futuro.
O caso que obrigou Fin a colocar de novo os pés naquele território revela ainda mais o quanto a ilha - e, sobretudo, o seu rochedo onde pela violência se julga criar homens - estripou por completo cada um dos que ali foi.
O caso que orienta a trama é intenso e tão inclemente quanto a própria ilha, capaz de ferir de morte qualquer réstea de esperança no humanismo dos que deveriam constituir uma comunidade isolada e, por isso, reforçada em torno de si mesma.
Não se podendo deixar de notar que o autor encerra o caso com alguma brusquidão, aceita-se que o faça para manter o foco como até aí em Fin Macleod.
Se o livro já era, até ao seu desenlace, um poderoso retrato da sua personagem principal, com o final que não poupa sequer Fin torna-se numa das mais desabridas exposições do interior de um homem que já foi escrito em livro.
Em A Casa Negra não há expiação possível. Não há maneira de acabar com uma ilha que instalou o seu próprio negrume no coração dos locais.
Fin recupera algo mais do que a memória do seu passado em Lewis, recupera o conhecimento das suas próprias falhas. Elas são o cordão umbilical que nunca conseguirá cortar para escapar àquele rochedo.


A Casa Negra (Peter May)
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1ª edição - Março de 2014
448 páginas

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