segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Europa. E Portugal?

Quando me dediquei a ler um volume de trezentas páginas acerca da prolongada crise económica - e política - que é vivida neste continente sabia que a experiência terminaria depressa a menos que uma (esperada) surpresa se afigurasse nesta abordagem escrita ao tema.
Dado que acompanho com regularidade diária, na imprensa escrita, os muitos tópicos envolvidos nos problemas europeus estão bem compreendidos e o seu tratamento jornalístico está bem conhecido.
A minha exigência ia para um relato que tivesse algo de literário, ainda que com toda a exigência jornalística que deve acompanhar o editora para a Europa da BBC.
Gavin Hewitt consegue fazer isso mesmo e conseguir a tal surpresa, dando conta simultânea das duas dimensões que importam na realidade da Europa em crise, a das "altas esferas" e a do "homem na rua".
A ligação que é capaz de estabelecer entre as decisões que os políticos tomam e as reacções que os manifestantes têm nas ruas não é meramente hipotética ou colocada como um sensionalismo mal investigado.
A lógica da relação entre as várias dimensões desta "história" relacionam-se como num romance histórico de grande envergadura - embora nada épico, reconheça-se.
Tal funciona porque Gavin Hewitt consegue dar dimensão humana também às figuras políticas de quem é hábito fazer uma leitura limitada ao aspecto de decisor político e, por isso, muitas vezes condicionada por um preconceito.
As limitações que a lei alemã coloca a Angela Merkel e a maneira como Nicolas Sarkozy foi estabelecendo uma relação com ela para superar esses problemas são alguns dos pontos fortes que o livro consegue estabelecer para uma compreensão profunda dos meandros da política que envolvem directamente as modelações pessoais de cada um dos intervenientes
Essa capacidade faz com que o livro mantenha o seu interesse em alta a cada capítulo, mesmo à medida que se aproxima do período actual.
Os momentos mais recentes - aqueles em que os problemas se agravaram e que obrigaram a um resgate financeiro em Portugal - acabam por ser aqueles em que o livro é menos esclarecedor, mas apenas porque são também aqueles que levaram a uma atenção mais intensa às notícias.
Já a explicação da cadeia de acontecimentos iniciais que encaminharam a Europa para a crise e para os muitos erros que a intensificaram é extremamente esclarecedora, tornando o livro num texto essencial onde o didactismo vem da elegância da escrita em vez de a vir condicionar.
Vale a pena acrescentar um parágrafo particular a propósito da relevância do livro para os leitores do nosso país.
Uma conclusão importante que o livro permite, e que deve ser destacada por vir da visão que tem alguém que está "de fora" a olhar para a Europa, é a de que Portugal conta pouco para a História que ficará deste período.
Portugal é referido de passagem perante os capítulos longos dedicados aos outros dois países sujeitos a resgates - além daqueles dedicados às situações hesitantes de Espanha e Itália.
Somos um país modesto e moderado que tem sofrido mas a quem faltou a grande luta contra o que por cá se chama "protectorado".
Uma grande luta travada na esfera diplomática pelos políticos muito orgulhosos da sua independência conquistada, como no caso dos Irlandeses, ou travada directamente nas ruas com tácticas terroristas, como no caso dos Gregos.
Aquilo que se vê aqui - e sem leituras políticas que não é essa a intenção desta crítica - é que aquilo que o registo português na História mostrará é uma insuficiência da manifestação da vontade quer do povo quer dos políticos.
Se por um lado é bom que tal tenha acontecido, porque não se registaram os ataques destruídores e assassinos da Grécia, é também mau porque demonstra que a classe mandante local é apenas um conjunto de figurantes a que falta a personalidade que é encontrada pelos jornalistas nos governantes dos restantes países.
Falta de personalidade que nos governantes portugueses acabou por anular a personalidade que o povo português apresentava.
É pela falta de um capítulo sobre Portugal que o livro mais esclarece sobre a situação do país quem por cá o leia.


O Continente Perdido (Gavin Hewitt)
Editorial Bizâncio
1ª edição - Outubro de 2013
336 páginas

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