Não sendo um leitor habitual de romances históricos foi com alguma surpresa que me rendi a esta leitura com a cena de abertura.
Tratava-se da descrição da Batalha de Aljubarrota com um equilíbrio emocionante e elucidativo das incidências individualizados da batalha e as estratégias gerais nela envolvidas.
Estratégias oficiais e casuais. As territoriais aplicadas por Nuno Álvares Pereira e aquelas que dão um novo colorido à rectaguarda da batalha, baseadas em peixe salgado e bebida abundante fornecidos aos invasores Castelhanos por Adelaide - uma ficcional amante devota de D. João I.
João Fernando Ramos sabe que usar tal cena como gancho - antes de uma analepse nos trazer de volta ao ponto inicial da trama que exigirá do Mestre de Avis a sua proposição ao poder - tem um efeito benéfico sobre o interesse do leito, mas com ela demonstra logo algumas das suas qualidades como romancista, a saber, uma precisão baseada na economia da escrita sem descurar a emotividade que essa tem de gerar. Ou seja, as qualidades do jornalista com a noção precisa (talvez mesmo o talento, a confirmar num próximo romance) do labor de escritor.
Como esse equilíbrio fala em vários jornalistas portugueses tornados escritores, não é algo de desprezar, mesmo se ainde precise de lapidação.
A essas características da escrita, o autor adiciona a capacidade de destacar traços valorosos das personagens - ou criá-los, claro está - para que elas preencham arquétipos maiores da literatura ao mesmo tempo que a sua individualidade resiste.
D. João I é o rei ponderado mas decidido, com tanto de sábio como de ouvinte atento, e por isso capaz de se tornar no pai de um império.
D. Nuno Álvares Pereira revela-se um guerreiro e estratega digno do título de herói visionário, com bardos cantando acerca dos seus feitos.
D. Filipa de Lencastre é a rainha que partilha amor e sabedoria com o marido, uma figura de estado ao lado do rei e não uma mulher apagada.
Adelaide é o "grande Amor" que se sabe sacrificar em nome do reino, figura com algo de mágico temperando a beleza terrena.
Em certos momentos estes quatro personagens mostram que merecem figurar em relatos que se equiparem aos mitos Arturianos. Com o benefício destes se basearem na realidade e o único inconveniente (dramático) de não haver um atrito interno do grupo.
Menos satisfatória só a aceleração final para abarcar o mais extenso período, até ao fim da vida de D. João I, sobretudo para que ainda sejam referidos os primeiros feitos da geração dos seus filhos.
Toda essa segunda parte do livro passa pelas personagens e pelos eventos com menos intensidade, apenas pretendendo situá-las no friso cronológico da vida do protagonista que dá nome ao livro.
Nada que impeça que o autor crie um livro que serve de tónico para a atenção que não estou a prestar à nossa História, para a personalização e para a aproximação ao romance glorioso que ela já contem.
Sem que o romance seja tão detalhado como um livro de História tem de procurar ser, certamente ficarei a ganhar com a transição, recuperando um gosto pela História nacional que a escola e as suas muitas datas nunca souberam preservar.
D. João I (João Fernando Ramos)
A Esfera dos Livros
1ª edição - Maio de 2013
368 páginas
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