terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O absurdo caso português

Este livro trata de uma operação militar secreta exectuada pelos ingleses contra barcos alemães em território português e de todos os malabarismos judiciais e diplomáticos que vieram depois para resolver - de forma pouco ortodoxa e bastante atabalhoada - os problemas que daí advieram.
Há um ridículo que atravessa todo o caso, sobretudo no comportamento português, que é inacreditável para o leitor que agora descobre o que se passou.
A atitude do governo português da altura, afirmando até ao fim a versão que todos já sabiam ser falsa, só podia mesmo resultar porque os interesses que a II Guerra Mundial obrigava a manter em equilíbrio calavam (quase) toda a indignação alheia.
A desinformação inglesa contribuiu igualmente com alguns excelentes episódios, o melhor deles todos a criação de um mito popular que tornava um fracasso num sucesso por via de um livro e depois de um filme: The Sea Wolves.
Quem se lembrar do filme sabe que este tem uma história de espionagem muito pouco sólida, com tendência para emular os feitos românticos de James Bond e adicionar humor fora de tom aos diálogos dos três protagonistas. Com O Espião Alemão em Goa ficamos a saber porque assim é e, mais ainda, ficamos a saber que mesmo após 30 anos o orgulho inglês não passou sem embelezar a realidade com as presenças de Gregory Peck, Roger Moore e David Niven.
A excelente investigação de José António Barreiros parece até estupidamente fácil e evidente em certos momentos para que perdure tal mito britânico.
O autor diz na apresentação a esta segunda edição do livro que se trata de uma história real contada como se fosse uma história de ficção.
Não concordo com ele porque o seu estilo tem mais precisão do que fluidez, mas entendo que as suas palavras sublinham o grau de espanto que merece toda a conjuntura que ele descreve.
Há alguns capítulos em que a ironia do autor vem ao de cima, em que o absurdo é de tal ordem que nem o mais pragmático dos autores conseguiria relatar o caso sem deixar transparecer alguma emoção própria. Mas ao longo da maioria do livro é com exactidão autoral que Barreiros conta o que tirou da sua investigação.
O contexto absolutamente correcto para o qual nos transporta merece ser elogiado, mas a verdade é que para ler o livro de forma fluida é necessário aprender a seleccionar intuitivamente as notas de rodapé que devem ser lidas ou deixadas para uma leitura tardia em conjunto com os anexos.
Nem que seja por um motivo de identidade (quiçá, responsabilidade) patriótica - até mesmo para aguçar o sentido auto-crítico - vale a pena ler o livro e entender o contexto do que foi o affaire português com ambos os lados da Guerra por debaixo dos lençóis da neutralidade.


O Espião Alemão em Goa (José António Barreiros)
Oficina do Livro
1ª edição - Novembro de 2011
192 páginas

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