terça-feira, 25 de outubro de 2011

... e beijos com Língua

A primeira coisa que se nota neste livro é a frescura libertária da escrita de Hugo Gonçalves que não tem medo de introduzir sonoridades novas num uso educado da Língua Portuguesa
Ele vai buscar expressões que parecem ter saído directamente de um improviso tornado norma no seu círculo de conhecidos. Expressões que passam por serem norma interna com que ele nos convida a escutar os seus relatos, também eles dignos dessa partilha entre amigos.
Isso dá-lhe agilidade, permite-lhe expressar em duas palavras o que outros escritores teriam de explicar longamente.
Fred fazia colherzinha comigo é a forma que ele encontrou para explicar que acordou para encontrar um amigo encostado a ele numa posição de concha. Parece tão mais simples e elegante naquelas quatro palavras que ele escolheu...
Este exemplo sai da "fase brasileira" das crónicas do autor (quem sabe se a expressão não é vulgar do outro lado do Atlântico...) mas é o género de pequena ousadia que ele tem sempre que pode.
É mais do que agradável percorrer as histórias de Hugo Gonçalves, as suas percepções do mundo e da vida privada misturadas e explanadas de uma forma capaz de tocar todos os leitores.
Sinal de um bom cronista, ainda que o prazer ao longo do livro dependa sempre da empatia que se tem com os temas que vão rodando pela caneta de Hugo Gonçalves.
Além de, também, depender do grau de acerto com que o autor se atira a elas.
Quando ele usa mais o humor e menos a seriedade afectiva as suas crónicas são bem melhores.
A sua abordagem menos discreta à falta de qualidade dos minetes dados pelos portugueses (ver aqui) é mais interessante do que a sua respeitosa abordagem aos problemas que as mulheres partilham com as mulheres de Verona com a missão de responder às cartas dirigidas a Julieta. Os temas são distintos, o primeiro será sempre mais divertido e ousado, mas o autor deveria ter encontrado maneira de dar a mesma identidade pessoal na abordagem a ambos.
Talvez seja ainda uma personalidade de cronista em construção, a precisar de deixar de ser tão oscilante ou, então, meramente uma falta de contextualização da origem de cada bloco de críticas que se distinguem pelos temas e pelas formas de abordagem - negando a afirmação de João Tordo de que o livro se constrói como um romance pela coesão das crónicas e a abrangência da vida que abordam.
Se há uma identidade inequívoca do autor em todas as crónicas é, como disse antes, da sua abordagem linguística, original e distinta.
E mais do que as crónicas de uma página são os contos com oito ou dez delas que realmente ficam na memória, como aquele que encerra o livro chamado Escrever pode Matar, escrito do ponto de vista feminino, repleto de ideias fortes e melhor articuladas numa estrutura excelente. Redime qualquer fulgor que as crónica percam ao decaírem do minete para a versão shakespeareana dos conselhos da revista Maria.


Fado, Samba e beijos com língua (Hugo Gonçalves)
Clube do Autor
1ª edição - Abril de 2011
208 páginas

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