tag:blogger.com,1999:blog-65235473225772230302024-03-13T15:40:19.540+00:00Letras Sem FundoUm romance nunca está acabado pelo simples facto de estar escrito e publicado. Quando chega às mãos, só metade do caminho está percorrido. Quando o leitor projecta num romance os seus sonhos, a sua vida, os seus outros livros, os seus ódios, os seus amores, percorre o resto da estrada.
Arturo Pérez-ReverteCarlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.comBlogger598125tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-26018467584677881842018-12-03T12:00:00.000+00:002018-12-03T12:00:12.619+00:00Cenário definido<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-uqhrURKIC4A/XARkv_xXraI/AAAAAAAAHis/gOFAwjQNvDoXbkzQc20XpYvI4zNjAuchQCLcBGAs/s1600/Vict%25C3%25B3ria.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://4.bp.blogspot.com/-uqhrURKIC4A/XARkv_xXraI/AAAAAAAAHis/gOFAwjQNvDoXbkzQc20XpYvI4zNjAuchQCLcBGAs/s640/Vict%25C3%25B3ria.jpg" width="640" /></a></div>
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Este é um livro com interesse genuíno em integrar o seu cenário, a cidade de Victória, na trama fazendo dela o único foco possível para guiar as ocorrências da matança.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nesse sentido é um livro bem sucedido que capta a essência da cidade e a torna convidativa, ainda que seja palco de crimes.</div>
<div style="text-align: justify;">
A escolha do <i>thriller</i> é deliberada para alcançar esse efeito. Numa tentativa de percorrer todos os séculos - e monumentos que os sinalizam - de História da cidade há um assassino ritualista que pretende trazer-nos até ao século XXI.</div>
<div style="text-align: justify;">
A autora consegue combinar as duas intenções com a necessária eficácia, tornando as deambulações pela cidade em algo atraente de ler por entre as cenas de acção.</div>
<div style="text-align: justify;">
Essa facilidade vem, também, de uma familiaridade com o modelo do que se lê. A autora, apesar da sua aturada pesquisa quanto ao funcionamento do método investigativo, não evita imitar fórmulas de qualidade - que entretanto se tornaram a norma (quando não mesmo um clichê).</div>
<div style="text-align: justify;">
Um primeiro capítulo em que o detective anuncia que no final do relato levou um tiro na cabeça. A salvação sobrenatural que pode não passar de alucinação. A interacção do detective com um prisioneiro (quem sabe se) falsamente acusado mas de superior erudição.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quando evita estas ideias alheias, a autora mostra que tem imaginação Um detective obrigado a prender um irmão gémeo e assim quebrar uma ligação umbilical ou a utilização de abelhas presas na garganta como arma dão sinal disso mesmo.</div>
<div style="text-align: justify;">
O erro da autora está em querer incluir todas as ideias num mesmo livro, o que leva a que nenhuma esteja desenvolvida até ao seu verdadeiro potencial.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que é grave quando atinge os crimes ritualísticos no centro da trama. Uma tentativa de resumo torna claro como estes estão enredados num excesso de linhas condutoras.</div>
<div style="text-align: justify;">
Casais são executados com veneno numa progressão de idades que salta cinco anos - a partir de recém-nascido - em cenários da cidade que seguem o friso temporal. As vítimas também têm de ter apelidos compostos - sinal da sua classe alta. Depois interrompidos por vinte anos, recomeçam com abelhas no lugar do veneno a tempo de anteciparem a saída da cadeia de quem foi acusado dos crimes iniciais.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ultrapassou-se a complexidade e atingiu-se uma mistura que devia ter sido doseada - e consigo levado os pontos da cidade visitados - ao longo da anunciada trilogia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sobretudo porque o género que a autora escolheu, por estes dias, exige finais que superem em espalhafato tudo o que veio antes.</div>
<div style="text-align: justify;">
A autora atinge-o com um remate que prolonga o efeito de entretenimento mas leva a fechar-se o livro com o sentimento de credibilidade perdida. Em significativa parte pela perda de um vilão fundamentado.</div>
A autora passou (bem) as páginas a criar pistas múltiplas para complicar a investigação só para obter um vilão a partir de uma personagem deixada por desenvolver.<br />
Ocorre uma surpresa pois nunca houve hipótese de se conhecer o racional do que acontecia. Aquilo que seriam os fios da trama vêem-se como artifícios para prolongar o livro.<br />
O que sobra é a intenção original, fazer de Victória o cenário propício a estas ocorrências ficcionais.<br />
<div style="text-align: justify;">
À autora cabe melhor as peças. A sua abordagem aos personagens tem de se elevar à que tem com o espaço em volta. Eles foram formando relações mas apenas os conhecemos de raspão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="text-align: start;">Está-se convidado a voltar à Cidade Branca, senão fisicamente pelos livros, agora a precisar de nos deixar uma marca humana</span>.</div>
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/-iKnke09vt_w/XAQsP2U45mI/AAAAAAAAHic/4i3-IgwvD48eEF8XNuqs_pbn-k1CBHzxACLcBGAs/s1600/O%2BSil%25C3%25AAncio%2Bda%2BCidade%2BBranca.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-iKnke09vt_w/XAQsP2U45mI/AAAAAAAAHic/4i3-IgwvD48eEF8XNuqs_pbn-k1CBHzxACLcBGAs/s320/O%2BSil%25C3%25AAncio%2Bda%2BCidade%2BBranca.jpg" width="214" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>O Silêncio da Cidade Branca (Eva G. Sáenz de Urturi)</i></span><span style="font-size: 85%;"></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Lua de Papel</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Junho de 2018</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>488 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-35354905150860631282018-12-02T14:40:00.000+00:002018-12-02T23:13:04.894+00:00Um Passado para a diversão<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-l46sOtJv2Lc/XAPeUtcaPMI/AAAAAAAAHhE/StlmDeONMgk5vpreZs0MNGOqaxhroR6pQCLcBGAs/s1600/Picture2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://4.bp.blogspot.com/-l46sOtJv2Lc/XAPeUtcaPMI/AAAAAAAAHhE/StlmDeONMgk5vpreZs0MNGOqaxhroR6pQCLcBGAs/s640/Picture2.jpg" width="640" /></a></div>
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Esta é uma série mais propícia a quem já está inteirado do universo <i>Assassin's Creed</i>. Sendo possível seguir a história sem isso, uma pesquisa prévia será útil, pois a série é muito despachada, lançando-se na acção ao fim de 10 páginas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Aqui, mesmo os iniciados - como a protagonista parece ser - terão de reconhecer que nem uma vinheta de hesitação perante o convite para integrar a Irmandade pode ser demais.</div>
<div style="text-align: justify;">
A escolha de uma protagonista parece ser uma das decisões importantes da série, demasiado masculina até então.</div>
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Há, aliás, um reforço de personagens femininas, meso entre os Passados visitados, embora tivesse sido mais credível dar a liderança a uma mulher no episódio dos Julgamentos de Salem do que no do Império Inca.</div>
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O episódio decorrido em Salem é o mais bem concretizado, aquele em que a releitura do Passado por via do combate entre a Irmandade e os Templários faz mais sentido, mesmo se desperdiça a oportunidade de fazer valer o papel feminino.</div>
<div style="text-align: justify;">
A eficácia da releitura permanece enquinada para servir as necessidades narrativas e não a adequação à verdade histórica, cedendo às erradas percepções de que as mulheres eram as vítimas exclusivas e que havia uma liberdade de actuação dos que as julgavam.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os episódios Inca e Florentino são mais genéricos, com a acção a poder ser adaptada a qualquer cenário histórico.</div>
<div style="text-align: justify;">
O episódio Inca é forçado, dando a impressão de existir em serviço exclusivo do quebra-cabeças presente. Serve para obter a resposta a um enigma que permitirá à protagonista juntar-se a uma organização de activistas de defesa da informação em rede e nada mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um ponto mais da ligação da série ao tempo corrente que rouba protagonismo ao Passado, onde <i>Assassin's Creed</i> tem sempre interesse maior. No caso desta banda desenhada, interesse das escolhas perspicazes de detalhes nos momentos mais chamativos.</div>
<div style="text-align: justify;">
O thriller de acção que se passa na actualidade deixa muito a desejar, com escolhas pouco originais. Cada tomo da série tem um arco de acção definido para o thriller que pertence a modelos conhecidos e demasiado reconhecíveis.</div>
<div style="text-align: justify;">
No primeiro a protagonista liga-se ao Passado no interior de uma carrinha em fuga. No segundo os acordos de lealdades trocadas para que um gangue sirva o lado certo da causa. No terceiro um ataque militar a uma ilha que alberga uma base secreta.</div>
<div style="text-align: justify;">
Chegados a este terceiro tomo os argumentistias passam a usar a sua protagonista para avançar a trama à força de decisões idiotas.</div>
<div style="text-align: justify;">
O final da série leva mesmo a colocar em causa o valor de entretenimento do resultado global.</div>
<div style="text-align: justify;">
O desenho está à altura da trama, o que significa que a sua funcionalidade não esconde as falhas graves.</div>
<div style="text-align: justify;">
Neil Edwards tem problemas de consistência, sobretudo com caras. A variação da altura das testas, por exemplo, deforma alguns personagens. Problema mais significativo porque não se limita às vinhetas de menor dimensão.</div>
<div style="text-align: justify;">
O melhor do seu desenho aparece no início do episódio Inca. No final do mesmo está-se a ver o seu pior.</div>
<div style="text-align: justify;">
Passa-se de cenários convincentes, atenção aos detalhes, fluidez de movimentos e belas faces a uma total falta de expressividade ou textura. Muito aflitivo quando um personagem recorrente do episódio é um velho de volumosa barba negra transformada num bloco hirto.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ivan Nunes está vários furos acima e a sua aplicação de cores salva diversas páginas. Mesmo ela é atirada abaixo quando o desenho se degrada de tal forma que se passam as páginas apenas lendo o texto. Contra-intuitivo numa banda desenhada.</div>
<div style="text-align: justify;">
Fica-se com a sensação de que o desenhador teve problemas com prazos, sinal da incompetência em planear um trabalho consistente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Esta série é uma leitura propícia a um tempo de inconsequência e que não deveria deixar o leitor com vontade de mergulhar no Passado mais do que, de facto, fez.</div>
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<a href="https://2.bp.blogspot.com/-9hJHAlqyX4I/XAPnJ9D6HEI/AAAAAAAAHhg/AxbPAw-Weekq3vXfBVKncs8-BWMugc1QQCLcBGAs/s1600/Assassin%25E2%2580%2599s%2BCreed%2B-%2BProva%2Bde%2BFogo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-9hJHAlqyX4I/XAPnJ9D6HEI/AAAAAAAAHhg/AxbPAw-Weekq3vXfBVKncs8-BWMugc1QQCLcBGAs/s320/Assassin%25E2%2580%2599s%2BCreed%2B-%2BProva%2Bde%2BFogo.jpg" width="207" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Assassin’s Creed vol.1: Prova de Fogo (Anthony Del Col, Conor McCreery, Neil Edwards)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Goody</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Fevereiro de 2018</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>128 páginas</i></span><br />
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/-ywGsjaTyk6E/XAPstamK70I/AAAAAAAAHh4/BSemM2bHuXEG3LWT03_pdm5kDaMEpmAuQCLcBGAs/s1600/Assassin%25E2%2580%2599s%2BCreed%2B-%2BCrep%25C3%25BAsculo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-ywGsjaTyk6E/XAPstamK70I/AAAAAAAAHh4/BSemM2bHuXEG3LWT03_pdm5kDaMEpmAuQCLcBGAs/s320/Assassin%25E2%2580%2599s%2BCreed%2B-%2BCrep%25C3%25BAsculo.jpg" width="207" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Assassin’s Creed vol.2: Crepúsculo (Anthony Del Col, Conor McCreery, Neil Edwards)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Goody</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Abril de 2018</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>128 páginas</i></span><br />
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/--162VoSVZ28/XAPs1uBTBPI/AAAAAAAAHh8/qMf1Z0mRRxAWTVX7oYeVHp6zU5SvjJBkQCLcBGAs/s1600/Assassin%25E2%2580%2599s%2BCreed%2B-%2BRegresso%2Ba%2BCasa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/--162VoSVZ28/XAPs1uBTBPI/AAAAAAAAHh8/qMf1Z0mRRxAWTVX7oYeVHp6zU5SvjJBkQCLcBGAs/s320/Assassin%25E2%2580%2599s%2BCreed%2B-%2BRegresso%2Ba%2BCasa.jpg" width="207" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Assassin’s Creed vol.3: Regresso a Casa (Anthony Del Col, Conor McCreery, Neil Edwards)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Goody</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Maio de 2018</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>128 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-689871538856552112018-11-28T21:59:00.000+00:002018-12-02T14:40:06.007+00:00Lenda para discernir a verdade<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-9tisFP85XoM/XAPqRbCLFXI/AAAAAAAAHhs/u9vjXF8ZNmc9B7uA2EEDi0oEc9qSNij8ACLcBGAs/s1600/Picture2%2B%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1125" data-original-width="1130" height="636" src="https://3.bp.blogspot.com/-9tisFP85XoM/XAPqRbCLFXI/AAAAAAAAHhs/u9vjXF8ZNmc9B7uA2EEDi0oEc9qSNij8ACLcBGAs/s640/Picture2%2B%25281%2529.jpg" width="640" /></a></div>
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Este é o tipo de livro que deveria conquistar o campo da literatura popular. Aventuroso e composto com erudição.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em que cabem várias dimensões, do romance histórico à elucidação cultural, sempre empolgante, sobretudo na forma como integra elementos fantásticos que lhe dão um gosto singular.</div>
<div style="text-align: justify;">
Transportando-nos para os finais do século XVI, numa Praga em que as tensões religiosas se confundem com os conflitos a propósito do conhecimento humano.</div>
<div style="text-align: justify;">
Fá-lo através de interessantes encontros numa atmosfera que emana das páginas. Deixando que seja o correr da narrativa a levar ao mergulho – convicto – num outro Tempo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Cruzando o protagonista David Gans com alguns sábios iluministas para discussões detalhadas em cenários sugestivos porque arredados de descrições exactas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Dando à fascinante figura do Golem a personalidade – quase Humanidade – no seu serviço aos judeus.</div>
<div style="text-align: justify;">
Povo avançado, necessitado de protecção porque atacado pela crendice de todos os cristãos. Remetido para o gueto mas capaz de preservar uma cultura rica – que ficamos a conhecer com fascínio – contra todos os ataques, até os que pretendem destruir a sua existência física.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um povo que encontrou o poder para se defender sem compreender a importância de o conservar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Banalizando o poder até ele os abandonar. Por ter sido uma oferta, tornou-se o povo incapaz de continuar a perseguição do conhecimento, o único elemento capaz de travar a perseguição de que ele próprio continuaria a ser vítima.</div>
<div style="text-align: justify;">
A visão do extraordinário como algo comum – o Golem subalternizado pela preguiça das tarefas inúteis – acabou por desmerecer o valor do Golem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Como desproviu o povo judeu da capacidade de compreender que só a elevação do conhecimento próprio impediria a derrota face aos que o atacam.</div>
<div style="text-align: justify;">
A lição que Halter retira desta narrativa é universal e intemporal, sempre reforçando os males que no século XVI se viam numa Europa ainda à espera da revolução do pensamento.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mescla perfeita de História e lendas, O Cabalista de Praga é um livro que retira novos sentidos à grandeza do mito. Esclarecedor tanto pela verdade como pela fantasia.</div>
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<a href="https://4.bp.blogspot.com/-k9h-rDw76ck/XAPmmCN1ChI/AAAAAAAAHhY/tpoBNtnzZAU7o25_7Hi2-Ju3dUqQS0KCACLcBGAs/s1600/O%2BCabalista%2Bde%2BPraga.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-k9h-rDw76ck/XAPmmCN1ChI/AAAAAAAAHhY/tpoBNtnzZAU7o25_7Hi2-Ju3dUqQS0KCACLcBGAs/s320/O%2BCabalista%2Bde%2BPraga.jpg" width="209" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>O Cabalista de Praga (Marek Halter)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Editorial Bizâncio</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Setembro de 2011</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>240 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-45797179492220105282018-11-09T18:11:00.000+00:002018-12-02T23:06:06.278+00:00Ainda à espera<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-i_yoUnZQ0oY/XARlSMw8GiI/AAAAAAAAHi0/XUCAURDX1QI2Zb0CNZYjyk8duOqmETG_gCLcBGAs/s1600/%25C3%2580%2BEspera%2Bde%2BBojangles.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://4.bp.blogspot.com/-i_yoUnZQ0oY/XARlSMw8GiI/AAAAAAAAHi0/XUCAURDX1QI2Zb0CNZYjyk8duOqmETG_gCLcBGAs/s640/%25C3%2580%2BEspera%2Bde%2BBojangles.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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Aqui se encontra a banalidade sobre a doença mental. Retratada com o maior lugar-comum deles todos, a mitificação.</div>
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Nada mais do que o acrescento de peculiaridades a um melodrama para gerar sensações de magia que disfarcem a incapacidade de superas a condição de melodrama a puxar ao sentimentalismo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só o título de <b><span style="color: orange;">À Espera de Bojangles</span></b> tem ambição, fazendo referência à obra de Samuel Beckett. O que vem depois tem a leveza do que não quer ser incómodo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Dar à doença mental um tratamento que apazigua os que mal a conhecem e a torna até caso de atracção. Tão simpática que é quase uma característica salvífica.</div>
<div style="text-align: justify;">
Pode trazer um desfecho trágico mas, sendo um mero apontamento na história, causa inveja de não haver convivido com ela.</div>
<div style="text-align: justify;">
Isto porque Olivier Bourdeaut não quer gerar um verdadeiro confronto dos seus efeitos animadores com a realidade que depois se revela.</div>
<div style="text-align: justify;">
O lado festivo, tão festivo que descamba em cartoonesco - tem de prevalecer e toda a <i>gravitas</i> é eliminada ao longo das páginas.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor não sabe como alcançar essa virtude de apenas fazer rir o suficiente para desarmar o leitor perante a verdadeira dimensão da tragédia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso é que tem de recorrer à escrita do adulto da família para fazer o contraponto à narrativa do filho daquela loucura.</div>
<div style="text-align: justify;">
A ignorância da voz infantil é um truque e não um instrumento do autor. A voz de um filho que prefere acreditar nos seus pais a conhecer a verdade do mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só que essa é uma voz estranha, a de uma criança que já não o é. Tornou-se adulto, descobriu o texto do pai e compreendeu os factos que estavam por detrás da fantasia que criaram para ele.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma voz incorrecta, prolongando sem sucesso a crença de outrora. O erro de duas idades numa mesma tentativa de expressão revelando a incapacidade do autor em sintonizar uma voz de criança como seria o seu desejo.</div>
<div style="text-align: justify;">
A alegria fantasiosa que cega os males do mundo a ser interrompida pela insensibilidade - de personagem e autor - que trata os doentes anónimos como "decapitados mentais".</div>
<div style="text-align: justify;">
A voz é tão mais difícil de tomar como credível quanto não se vê nenhum episódio que afecte o seu dono.</div>
<div style="text-align: justify;">
O narrador, mesmo privado de qualquer sólida forma de educação afectiva, passa por aquela vida de invenções e fugas sem consequências de longa duração.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que se compreende visto que Bourdeaut não faz dos episódios senão peripécias de final feliz em que pode espraiar aquilo que a língua Inglesa apelidaria de <i>quirkiness</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma característica perseguida de forma inconstante. Presença forçada no início do livro - muitas vezes sob a forma de trocadilhos pedestres - para ser explícito ao que vem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Depois apaga-se durante longos períodos, possivelmente à conta da falta de uma constância da imaginação, para reaparecer no episódio da fuga.</div>
<div style="text-align: justify;">
O crédito inicial, a par do efeito desta cena central do livro, têm de servir para temperar a ideia que se faz do resto do livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Justo é dizer que se fica à espera de arte neste livro e só se encontra a da canção na voz de Nina Simone (e, já agora, na voz de alguns outros, bem seleccionados).</div>
<br />
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-6EUu7yJKS_g/XAQd7bOVSsI/AAAAAAAAHiM/v8KKLBnppjYTcZXL9acA3P2JZXfLADVrACLcBGAs/s1600/%25C3%2580%2BEspera%2Bde%2BBojangles.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-6EUu7yJKS_g/XAQd7bOVSsI/AAAAAAAAHiM/v8KKLBnppjYTcZXL9acA3P2JZXfLADVrACLcBGAs/s320/%25C3%2580%2BEspera%2Bde%2BBojangles.jpg" width="210" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>À Espera de Bojangles (Olivier Bourdeaut</i></span><span style="font-size: 85%;">)</span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Guerra & Paz</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Abril de 2016</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>198 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-65994010668751268892018-10-15T14:37:00.000+01:002018-12-02T14:40:04.749+00:00Biografia sem absolutos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-5rW3thnmAW4/XAPeifxx8yI/AAAAAAAAHhI/WETCc6PPgIIvdjCf8vbMGgr0Dgxcb-KbgCLcBGAs/s1600/Picture1.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1125" data-original-width="756" height="640" src="https://3.bp.blogspot.com/-5rW3thnmAW4/XAPeifxx8yI/AAAAAAAAHhI/WETCc6PPgIIvdjCf8vbMGgr0Dgxcb-KbgCLcBGAs/s640/Picture1.png" width="430" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<div style="text-align: justify;">
Esta é uma biografia que se lê como um romance. Uma afirmação que não quer ser um aval imediato do livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até porque uma biografia não tem de se parecer com um romance para ser uma leitura deleitosa.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro lê-se com um ritmo que quase parece de aventuras exóticas, o que tem a vantagem de agarrar o interesse mesmo quando a vida de Maomé é ponto de partida para descrições políticas e geográficas abundantes em enumeração de factos.<br />
No entanto, para sublinhar o interesse da vida da figura no seu cerne, recorre a um estilo de psicologia que coloca a si mesmo em causa.<br />
A autora vai longe demais na interpretação que faz das intenções de Maomé aquando das suas decisões.<br />
Encontra-se aqui o tipo de extrapolação que ocorre sempre em risco, visto que às evidências tem de adicionar uma interpretação pessoal que turva a leitura alheia.<br />
Desde logo porque enquina os dados na direcção do ponto de partida que é o da cultura da própria autora e porque, a partir daí, pode levar a uma reacção de contrariedade quando as opiniões da biógrafa prevalecem no texto em detrimento da constatação das possibilidades à época.<br />
O âmbito do que faz a autora vai além da sugestão de uma hipótese. Trata-se de uma utilização excessiva da linguagem psicológica moderna para encerrar o percurso de um homem.<br />
Uma linguagem com a qual faz uma avaliação sobrecarregada pelo peso dos séculos que passaram.<br />
Sendo-se capaz de reconhecer este excesso da autora e, com isso, não se render a uma crença no livro como conclusão do conhecimento de Maomé, é possível apreciar além da vivacidade do livro o seu detalhe.<br />
A informação comporta uma riqueza assinalável e reconhece-se o prolongado convívio que a autora terá tido com os relatos sobre este homem, capazes de a colocar à vontade para arriscar a interpretação dos seus feitos.<br />
Esse convívio é bom porque a autora se mostra próxima do sujeito, sendo parcial mas não tendenciosa.<br />
Quer isto dizer que ela se mostra admiradora de Maomé - sobretudo no início do percurso dele - mas também crítica à medida que o tempo avança.<br />
Este livro deverá permanecer como uma abordagem com carácter popular (aqui quase sinónimo de ocidentalizado) popular à vida do homem e à construção do seu mito.<br />
Fácil de ler mas a exigir reservas e, mais ainda, uma procura de fontes contraditórias, não tanto complementares.</div>
<br />
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-539dT1bow7w/W_HRxi_YreI/AAAAAAAAHg4/PtrZ-5LHfSQH52xSpkX8cow73cf60-5QwCLcBGAs/s1600/O%2BPrimeiro%2BMu%25C3%25A7ulmano.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-539dT1bow7w/W_HRxi_YreI/AAAAAAAAHg4/PtrZ-5LHfSQH52xSpkX8cow73cf60-5QwCLcBGAs/s320/O%2BPrimeiro%2BMu%25C3%25A7ulmano.jpg" width="221" /></a><br />
<div>
<span style="font-size: 85%;"><i>O Primeiro Muçulmano (Lesley Hazleton)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Elsinore</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Outubro de 2015</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>352 páginas</i></span></div>
Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-11683800273035383472018-08-06T19:39:00.000+01:002018-08-06T19:39:14.186+01:00Duas faces da ambição<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-KMjfnesVMN8/W2RQYt9ZhdI/AAAAAAAAHfE/gVzStmu7vL4rB5bxO0sKeEZGc0vqmlsaQCLcBGAs/s1600/Michael%2BZadoorian.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://4.bp.blogspot.com/-KMjfnesVMN8/W2RQYt9ZhdI/AAAAAAAAHfE/gVzStmu7vL4rB5bxO0sKeEZGc0vqmlsaQCLcBGAs/s640/Michael%2BZadoorian.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<div style="text-align: justify;">
Não costuma ser missão para uma literatura de alcance popular tornar as franjas etárias da população identificáveis com o leitor, pelo que o primeiro chamamento a este livro é essa ambição.</div>
<div style="text-align: justify;">
Michael Zadoorian arrisca uma <i>road trip</i> de um casal de protagonistas com quem poucos leitores encontrarão uma identificação directa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Protagonistas que, pelo contrário, reflectem preocupações que muitos expressam de forma pontual quando confrontados com a degenerescência dos que já viveram por demais.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não era necessário que o autor tivesse levado ao extremo ambos os protagonistas, Ella com cancro terminal e John com demência progressiva.</div>
<div style="text-align: justify;">
Bastaria a normal fragilidade física de uma mulher idosa a lidar com os comportamentos imponderáveis do marido para alcançar o efeito de risco que a viagem tem.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor está a lançar a rede para capturar a atenção do máximo número de leitores que viram estas duas doenças afectar a sua família. No mesmo processo acrescenta uma razão mais para dar lugar a situações atribuladas na sua história.</div>
<div style="text-align: justify;">
A ambição do autor quanto aos temas a tratar não se fica pelos problemas que debilitam aquelas pessoas, expande-se à decrepidez da América servida pela Route 66.</div>
<div style="text-align: justify;">
Confrontam-se as memórias dos tempos em que a viagem por aquela estrada eram mais habituais e da realidade que Ella - a narradora - encontra agora.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não há uma tentativa de tornar a doença numa metáfora para a América. Decisão acertada num livro que não tem características para tal.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor fez bem em retrair a sua ambição, decidindo apenas pela acentuação de como o tempo passou para quem viaja e para o caminho a percorrer, pois não se vê que tivesse o domínio para evitar cair numa prédica sem estilo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Vida e estrada rimam quando se percebe que há pequenos momentos de felicidade que ainda se elevam, seja um momento de lucidez de John ou o reencontro com uma casa de hambúrgueres de boa memória.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na demora da viagem o livro vacila. A progressão parece ir de situação complicada em situação complicada. Muitas delas que não são geradas pelo caminho que percorrem.</div>
<div style="text-align: justify;">
São situações que poderiam acontecer numa rua dos arredores da sua casa, fazendo crer que a viagem não passa de um artifício para tornar mais apelativo ler sobre este casal em fim de vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro melhora quando está em viagem. Quando se deixa levar pelos pensamentos de Ella e evita as peripécias das paragens.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não seriam precisas mais adversidades do que a discrepância entre os resquícios de uma América esperançosa e a visão atormentada pela miséria própria da idade de Ella e John.</div>
<div style="text-align: justify;">
Aquilo de que eles vão, de verdade, a caminho é de um desfecho fiel às suas convicções de independência, elas próprias pertencentes a um tempo que vem desaparecendo.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro tem o final para o qual trabalhou desde muito cedo, o que o torna bastante óbvio. Trata-se da falha realmente assinalável do livro que, no seu tom continuado de tristeza - mesmo sob os episódios cómicos ou perturbadores - soa sempre a despedida.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que não impede que seja um livro de um respeito ternurento para com os seus personagens. Algo que consegue transmitir a quem lê.</div>
<div style="text-align: justify;">
Para duas pessoas de desígnios simples, uma ambição mais controlada teria sido mais acertada para o autor, domesticando o cenário para projectar a ambição - simples e definitiva - dos personagens que criou.</div>
<br />
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-9P-AykW5Vuk/W2H-JTPl4uI/AAAAAAAAHe0/CLhGWMRtwQ4RPiZztqNTFsAOHSVOmE8lQCLcBGAs/s1600/Uma%2BViagem%2BInesquec%25C3%25ADvel.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-9P-AykW5Vuk/W2H-JTPl4uI/AAAAAAAAHe0/CLhGWMRtwQ4RPiZztqNTFsAOHSVOmE8lQCLcBGAs/s320/Uma%2BViagem%2BInesquec%25C3%25ADvel.jpg" width="222" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Uma viagem inesquecível (Michael Zadoorian)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>HarperCollins</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Sem indicação da edição - Abril de 2018</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>256 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-39851925926359797302018-08-04T12:00:00.000+01:002018-08-04T12:00:05.126+01:00Sentença de morte<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-H9BORZSpUyg/W2RQNAkGZrI/AAAAAAAAHfA/19ELWmL0w_ct6NoGyCqm1n1fOeISVEtEgCLcBGAs/s1600/N%25C3%25A3o%2BDigas%2BNada%2B1.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://3.bp.blogspot.com/-H9BORZSpUyg/W2RQNAkGZrI/AAAAAAAAHfA/19ELWmL0w_ct6NoGyCqm1n1fOeISVEtEgCLcBGAs/s640/N%25C3%25A3o%2BDigas%2BNada%2B1.JPG" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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Por vezes não é possível abordar um livro tirando ensinamentos das suas falhas. Nem sequer é possível tratá-lo com ironia, o que constituiria o único divertimento que ele proporcionaria.</div>
<div style="text-align: justify;">
Há que ser directo e brutal e afirmar desde início que <b><span style="color: orange;">Não Digas Nada</span></b> é um dos piores livros que se podem ler traduzidos para Língua Portuguesa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Este é o livro que quer fazer passar por <i>thriller</i> a acumulação dos clichés que a literatura roubou ao cinema depois deste os ter ido aprender à literatura.<br />
Resumindo, não passa do rapto dos filhos de um juíz de forma a controlar uma das suas decisões judiciais. Sem saber que decisão, o juíz tenta desvender o mistério por si mesmo, sem nunca pensar em recorrer a alguma das suas ligações nas forças policiais pois está a ser vigiado mas acabando por recorrer à família da sua mulher na hora de necessidade.<br />
O que se segue são decisões atrozes que provam que os personagens não se comportam de forma a que as suas acções possam complicar a trama. São idiotas úteis que levam o fio da trama numa união de pontos previamente numerados.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até mesmo a crescente mas mal orientada desconfiança do juíz, que deveria ser o motor de tensão do livro, funciona no sentido de acumular páginas a um conjunto de peripécias que não tem substância para tal.<br />
O mesmo a que serve a escolha do cenário jurídico, cujas entediantes e meticulosas explicações dão volume ao livro na mesma proporção em que lhe retiram suspense.<br />
Se tal estratégia faz o livro ir perdendo qualquer excitação que pudesse ter criado no leitor ao início, trata-se de outra a causa que mata a tensão de vez.<br />
O autor deste livro não faz o mínimo esforço para se aproximar daquela lição básica da escrita, <i>show, don't tell.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
As digressões narrativas do seu protagonista levam a que se perca tempo em rememoriações sobre actos longínquos que definem a personalidade dos que com ele interagem.<br />
Até durante uma reunião de emergência da família onde cada elemento poderia assumir os seus traços de personalidade na tentativa de estabelecer um plano de acção.<br />
A descoberta do desenlace é pouco mais do que uma obrigação. Mesmo depois dele o autor atraiçoa por uma última vez o leitor.<br />
A cena de acção do costume, com um tiroteio, traz um sacrifício. Sacrifício que tem de ser transformado na versão possível de um final feliz, deixando de o ser para se transformar numa decisão (melodramática) consciente que desconstrói os efeitos da cena.<br />
Espanta-me que o autor esteja perto de completar uma carreira com uma dezena de títulos escrevendo tão mal.<br />
O título deste livro só poder ser o seu pedido para que se esconda a falta de qualidade deste livro dos que o costumam ler.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-G_edpKTYWiM/W2DC7A_jMgI/AAAAAAAAHec/zxBcTXdlIjErPAI1wLpfIffB3Gicm1iSwCLcBGAs/s1600/N%25C3%25A3o%2BDigas%2BNada.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-G_edpKTYWiM/W2DC7A_jMgI/AAAAAAAAHec/zxBcTXdlIjErPAI1wLpfIffB3Gicm1iSwCLcBGAs/s320/N%25C3%25A3o%2BDigas%2BNada.jpg" width="210" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Não Digas Nada (Brad Parks)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Suma de Letras</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Novembro de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>520 páginas</i></span></div>
Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-78208455146351775732018-07-31T23:26:00.002+01:002018-07-31T23:26:15.994+01:00Sem razão para regressar<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-jPuOIG9LXxo/W2Dh7UVzFAI/AAAAAAAAHeo/ouOw-p9UOPYZH-cfDI-mFwXEcZUtEgCqgCLcBGAs/s1600/Klay.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://1.bp.blogspot.com/-jPuOIG9LXxo/W2Dh7UVzFAI/AAAAAAAAHeo/ouOw-p9UOPYZH-cfDI-mFwXEcZUtEgCqgCLcBGAs/s640/Klay.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
<br />
<br />
<span style="text-align: justify;">Não creio que se possa dizer que Phil Klay tem um estilo. Tem uma decente articulação que não chega a ser uma voz.</span><br />
<div style="text-align: justify;">
Daí que os seus contos não tenham variações de tom, nem os seus personagens ganhem distinção à medida do seu protagonismo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Klay cinge-se aos factos, dando conta da acção com uma precisão informativa a que falta uma exploração psicológica.</div>
<div style="text-align: justify;">
Algo que não permita confundir estes contos com relatos verídicos ou trabalhos jornalísticos. E que acrescente personalidade à informação conhecida, para assim justificar que exista a par de tantos outros livros dedicados ao tema da Guerra - e do retorno a ou dela.</div>
<div style="text-align: justify;">
Duas razões deverão ser apontadas para tal, uma literária e a outra de identidade. Razões que colidem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Phil Klay tem o tipo de educação que lhe permite abordar os acontecimentos que presenciou com um sentido crítico que não se ajusta à mentalidade militar.</div>
<div style="text-align: justify;">
A experiência que ainda não tem e o talento que poderá não vir a ter, fazem com que ainda esteja na busca pela forma correcta de aplicar a sua ironia. Razão primeira.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os dois contos que se distinguem dos restantes, <i>OIF</i> e <i>O dinheiro como arma</i>, atestam essa veia irónica, com resultados opostos - percepção acentuada pelo facto dos contos surgirem em sequência.</div>
<div style="text-align: justify;">
O primeiro tenta criar a percepção de que é possível haver uma sequência de decisões dentro do exército que levam a uma execução sem saber a quem se responde. O uso exclusivo de siglas devia alhear o leitor da existência de uma estrutura militar mas acaba por o alhear do próprio conto.</div>
<div style="text-align: justify;">
O outro é capaz de mostrar o absurdo que se segue à guerra no momento de gerir expectativas e dinheiro para a reconstrução de um país à imagem e semelhança da cultura americana mesmo que não se adapte ao local.</div>
<div style="text-align: justify;">
Neste conto o autor liberta-se um pouco das amarras que o exército lhe criou pois trata, em grande medida, da componente civil que interfere na lógica militar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Essas amarras constituem a razão de identidade que limita a escrita de Phil Klay, visto que ele continua a falar do seu tempo no exército com o laconismo de quem tem as suas acções justificadas por um imperativo ideológico e patriótico que torna desnecessário aprofundar a individualidade dos que serviram o seu país.</div>
<div style="text-align: justify;">
Klay corta com a cultura silenciosa do "fizemos o que tínhamos a fazer", escrevendo com precisão sobre o que aconteceu, sem chegar a superá-la nas formas que se esperam de um "autor".</div>
<div style="text-align: justify;">
Se é preciso uma prova mais do descrito, isso terá de ser a sensação geral transmitida pelos protagonistas de serem à partida homens perturbados ou com tendência para a inadaptação.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sentimentos reforçados pela presença em cenários de guerra, em vez de serem descobertas feitas no momento do retorno.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="text-align: start;">O conjunto de contos de Phil Klay fica como ficção sobrestimada por conta do National Book Award, mais demonstrativo da realidade militar pelas contradições que se percebem no autor do que nos seus personagens.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: start;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-0jnnE1FKirM/W2CQ2NvNVyI/AAAAAAAAHeQ/T9e6x510FrIqlIFOsPTyCo5ZqWJTQbU_gCLcBGAs/s1600/Desmobilizados.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-0jnnE1FKirM/W2CQ2NvNVyI/AAAAAAAAHeQ/T9e6x510FrIqlIFOsPTyCo5ZqWJTQbU_gCLcBGAs/s320/Desmobilizados.jpg" width="220" /></a></div>
<div style="text-align: start;">
<span style="font-size: 85%;"><i>Desmobilizados (Phil Klay)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Elsinore</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Novembro de 2015</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>302 páginas</i></span>
</div>
</div>
Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-44345223819061302852018-06-18T14:00:00.000+01:002018-06-18T14:00:20.299+01:00Obra com identidade<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-kphn9lkycMk/Wya3PDEM21I/AAAAAAAAHbE/nyK6XU9UfSAyZUCgc84OleO-7uOjKfiXACLcBGAs/s1600/asd.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://4.bp.blogspot.com/-kphn9lkycMk/Wya3PDEM21I/AAAAAAAAHbE/nyK6XU9UfSAyZUCgc84OleO-7uOjKfiXACLcBGAs/s640/asd.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<br />
<div style="text-align: justify;">
A Segunda Guerra Mundial será, para sempre, contado como um dos eventos mais destruídores. Até do próprio contínuo da História.</div>
<div style="text-align: justify;">
Disso fala este romance, da perda de pátria, de contactos, de amigos, de família, da memória e da própria identidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não é um tema novo mas está longe de estar esgotado. Sobretudo no feminino - embora o livro traga logo à memória o magnífico filme de Christian Petzold, <b><i>Phoenix</i></b>.</div>
<div style="text-align: justify;">
A forma como Ronaldo Wrobel trata o tema é, no entanto, única. E ambiciosa pelas camadas temáticas que ele une naquilo que, no seu íntimo, é uma investigação que um neto faz em nome da avó.</div>
<div style="text-align: justify;">
As muitas perdas de que o livro fala não começam nem terminam com o domínio Nazi da Alemanha.</div>
<div style="text-align: justify;">
Parte-se do Brasil actual onde uma idosa está a sofrer de Alzheimer e chega-se à Alemanha dos anos 1930.</div>
<div style="text-align: justify;">
Há uma herança recém-descoberta que liga os dois momentos e que vai levar à reconstituição do tempo que fez de Sofia Stern uma Alemã no Brasil sem pátria a que voltar.</div>
<div style="text-align: justify;">
O trabalho do neto começa num diário, escrito nas duas Línguas, fragmentário, cheio de apontamentos que só fazem sentido para quem guarda(va) o código da sua decifração na memória.</div>
<div style="text-align: justify;">
A partir desse início desenlaçam-se múltiplas versões daquela digna matriarca de família, que afinal está mais confortável cantando entre prostitutas do que sentada na poltrona de casa sob cuidado da família.</div>
<div style="text-align: justify;">
A identidade está em causa por todas as cisões que se notam, muito antes de Sofia ter tido de se transformar em cantora de cabaret - e algo mais do que isso...<br />
Uma identidade que, desde logo, ora depende ora choca com a da amiga Klara a cada novo período das suas vidas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Começa pela escola, onde de uma bela rapariga que faz amizade com outra pouco abonada passa a ser desprezada pelas colegas e, depois, impedida de estudar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Está nos estratagemas de sobrevivência e nos subterfúgios de fuga ao destino dos judeus, que afectam e proporcionam relações afectivas ou interferem com a vontade de resistir a quem ocupa o poder.</div>
<div style="text-align: justify;">
A identidade cristalizada que o Brasil lhe permitiu construir está a desfazer-se na mesma medida em que a identidade original está a ser refeita.</div>
<div style="text-align: justify;">
O processo de pesquisa é a confirmação de que só o registo estudado das memórias pode trazer um entendimento total daquele período definidor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Esse jogo é de tal ordem que extravasa do livro, com o autor a usá-lo para desafiar o leitor. Pois se ele é Ronaldo Wrobel, o narrador é Ronaldo W.</div>
<div style="text-align: justify;">
Jogo metaliterário que reforça o facto da herança, valiosíssima, não ser importante para Wrobel senão como matéria para interessar o leitor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ronaldo Wrobel aproveita-a para levar o leitor a entreter a noção de que está a ler um policial, seguindo bem definidos passos de investigação.</div>
<div style="text-align: justify;">
Num estilo que é o do <i>page turner</i>, diversos capítulos deixando em suspenso o que se vai passar, assegurando entretenimento na imersão que se vai sofrendo nas questões de identidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com ela está a criar opositores para lutarem contra o trabalho do narrador, demonstrando que não há facilidade na busca - reconquista? - da identidade.<br />
Até porque o resultado da investigação não é surpresa nenhuma, único desfecho possível para o complexo labirinto pelo qual o autor vai conduzindo o leitor com precisão e afinco.</div>
<div style="text-align: justify;">
Estas são ferramentas igualmente importantes para a fluidez da narração. Uma de tal tamanho que permite ao autor rechear o texto de informação de nicho - como seja a moda alemão e a sua crítica durante o período nazi - sem que ela se mostre como tal.</div>
<div style="text-align: justify;">
A matéria de reflexão do autor é transmitida como parte do desenvolvimento das identidades dos personagens e adensa o entendimento mútuo da época.</div>
<div style="text-align: justify;">
Infelizmente para o leitor português tudo isto está servido por um editor diligente com um mau critério.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um editor que tentando explicitar o significado de alguns vocábulos brasileiros, trata dos óbvios e falha nos pertinentes.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os termos <i>bilhetes lotéricos</i>, <i>panfletagem</i> ou <i>detenta</i> não são apenas fáceis de entender. Estão bem servidos pelos parágrafos em que se inserem para que o leitor português os entenda.</div>
<div style="text-align: justify;">
Já os <i>inferninhos</i> a que um personagem se deslocava são algo que não atravessa o Atlântico com a mesma facilidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até porque a palavra tem uso para mais do que um tipo de estabelecimento. Não tem é nota de rodapé que lhe corresponda!</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma pena que, em simultâneo, o editor não tenha confiado nos leitores a seu cargo e lhes tenha proporcionado um mau apoio.</div>
<br />
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-RGKGLmHCtGA/WyUGN_xc2tI/AAAAAAAAHas/4I2H8KRDhos44YQZFgaDVl7CV8Vwis38QCLcBGAs/s1600/As%2BDuas%2BVidas%2Bde%2BSofia%2BStern.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-RGKGLmHCtGA/WyUGN_xc2tI/AAAAAAAAHas/4I2H8KRDhos44YQZFgaDVl7CV8Vwis38QCLcBGAs/s320/As%2BDuas%2BVidas%2Bde%2BSofia%2BStern.jpg" width="208" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>As duas vidas de Sofia Stern (Ronaldo Wrobel)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Porto Editora</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Setembro de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>264 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-92146241134488659782018-06-16T14:21:00.000+01:002018-06-16T14:21:11.031+01:00Sátira Sádica<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-YDXg_jNn3-w/WyUOukTCalI/AAAAAAAAHa4/Zex_MIyQe9wcCq_S7a_fVYCcx7jiEohQwCLcBGAs/s1600/At%25C3%25A9%2Bao%2BFim%2Bdo%2BMundo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://1.bp.blogspot.com/-YDXg_jNn3-w/WyUOukTCalI/AAAAAAAAHa4/Zex_MIyQe9wcCq_S7a_fVYCcx7jiEohQwCLcBGAs/s640/At%25C3%25A9%2Bao%2BFim%2Bdo%2BMundo.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
<br />
<br />
A forma de humor que <b><span style="color: orange;">Até ao Fim do Mundo</span></b> tenta concretizar é a sátira. Isso fica claro pelos exageros que a história alcança.</div>
<div style="text-align: justify;">
O problema está em que essa tentativa é feita até meio antes da autora se render à redenção generalizada dos personagens dos quais vinha exacerbando os defeitos.<br />
Em vez de sátira, histerismo para levar a acção por diante antes de terminar tudo em melodrama de pacotilha, todo ele arrependimento em direcção a uma nova forma de vida.<br />
Se bem que, mesmo nisso, a autora tem um assomo de cobardia, não se dando ao trabalho de escrever um verdadeiro final na ilusão de que alguém achará que as personalidades - sobretudo a da Bernardette, protagonista - não mudaram assim tanto.</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Um livro a que tem de se aplicar a expressão "uma no cravo, outra na ferradura", em que a autora quer ridicularizar as mães dos subúrbios de Seattle ao mesmo tempo que fica de bem com elas.<br />
Apesar de acabar na Antárctida, este livro é a história desses subúrbios num estilo que tenta ser o de comédia.<br />
A sátira não está obrigada ao humor, mas o passado de argumentista de sitcoms da autora para isso a encaminha.<br />
Sem sucesso, claro. O momento mais inteligente de todo o livro é despojado dos muitos exageros que ela quer fazer passar por sátira e comédia.<br />
Uma das mais radicais e revolucionárias arquitectas da história recente não consegue que, num leilão de escola, licitem a sua oferta de construir uma casa na árvore.<br />
Sem mais do que isto, este é o único momento em que autora consegue expressar de forma convincente e interessante o propalado vazio existencial a que os visionários estão sujeitos num mundo cuja atenção não vai além do que está um palmo à frente dos olhos.<br />
O resto esforça-se em demasia até se distanciar do leitor e o deixar perplexo com a direcção que a história toma sem efeito prático.<br />
Tal como as <i>sitcom</i> que a autora escreveu, este livro funciona de forma episódica, no pior sentido, embora seja o que vai garantindo uma certa inércia de leitura continuada.</div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
A autora leva por diante uma situação, não se impondo travão até que não consiga mais manter-se dentro de limites de ocorrência física.<br />
Fá-lo sem qualquer cuidado com a estrutura geral do que narra num sentido de continuidade global.<br />
Quando essa está em risco, simplesmente retira uma solução inaceitável de um qualquer buraco - e os americanos são mais explícitos de que buraco se trata... - para fingir que tudo se concilia.<br />
Tal é muito evidente na forma narrativa que a autora escolheu e que acabará por trair quando já não consegue contorcer a lógica para a continuar.<br />
O romance é a forma moderna de epistomológico, narrado pela recolha de e-mails, memorandos, <i>posts</i> e até <i>post-its</i>.</div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Não se entre na discussão dos detalhes de má escrita em que os personagens reproduzem com exactidão longuíssimos diálogos ao escreverem e-mails ou guardam obsessivamente <i>post-its</i> pouco significativos (excepto para a narração).<br />
Pense-se apenas no facto de todo o material transcrito no livro ser obtido por uma mãe arrependida que o copia de um dossier do FBI, o complementa com a ajuda do seu filho pirata informático e o passa a uma criança que o monta de forma cronológica de forma a ser legível.<br />
A essência da estrutura do livro é a maior daquelas soluções retiradas de um qualquer buraco e que devem passar por "originalidade".</div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
O livro não proporciona qualquer ideia nova, muito menos sobre o humor a encontrar nos subúrbios americanos.<br />
O único novo olhar que <b><span style="color: orange;">Até ao Fim do Mundo</span></b> me despertou foi para com Jonathan Franzen.</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Se esté o tipo de romance que ele devora com "prazer absoluto", há que reconsiderar se o autor merece atenção.<br />
<br />
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-ZSifk1j4wrE/WtdmxcWv2JI/AAAAAAAAHTg/6Jv0hRc2KZQ9ZBYOiD1RkTWHC-HGMX64wCLcBGAs/s1600/At%25C3%25A9%2Bao%2BFim%2Bdo%2BMundo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-ZSifk1j4wrE/WtdmxcWv2JI/AAAAAAAAHTg/6Jv0hRc2KZQ9ZBYOiD1RkTWHC-HGMX64wCLcBGAs/s320/At%25C3%25A9%2Bao%2BFim%2Bdo%2BMundo.jpg" width="215" /></a><br />
<div>
</div>
<br /></div>
</div>
</div>
<i style="font-size: 85%;">Até ao Fim do Mundo (Maria Semple)</i><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Teorema</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Agosto de 2013</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>360 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-19834375734149872532018-06-13T09:40:00.004+01:002018-06-13T09:40:47.044+01:00Memórias partilhadas<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://2.bp.blogspot.com/-NePW-tSbflQ/WyDWFbl4z8I/AAAAAAAAHaU/mZ51u8zPPLwAdNMQAbhEL8rYbc6dHC9zACLcBGAs/s1600/Perfumes%2Bbanner.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://2.bp.blogspot.com/-NePW-tSbflQ/WyDWFbl4z8I/AAAAAAAAHaU/mZ51u8zPPLwAdNMQAbhEL8rYbc6dHC9zACLcBGAs/s640/Perfumes%2Bbanner.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Foto de David W Cerny</i></td></tr>
</tbody></table>
<a name='more'></a><b><span style="color: orange;"><br /><br /><br />Perfumes</span></b>. Breves como um olfacto tocado em mero instante. Intensos como a lembrança a que obrigam a correr atrás.</div>
<div style="text-align: justify;">
São memórias o que Phillipe Claudel deita à página. Com uma precisão extraordinária, superada depois pela finura da escrita.</div>
<div style="text-align: justify;">
A partida é o olfacto, organizado por via do alfabeto. A chegada são todos os sentidos, espraiados a partir do ponto nevrálgico.</div>
<div style="text-align: justify;">
O mundo retorna à mente do autor, reentrando a infinitude da contemplação por um espaço tão reduzido.</div>
<div style="text-align: justify;">
Pois se o perfume activa todos os outros sentidos, assim a primeira memória que traz cativa associações.</div>
<div style="text-align: justify;">
Algumas artísticas, outras sociais. Assim ganham consistência as memórias individuais. Mais importante, traçam um vívido retrado de um homem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Esta forma de memória não cria um contínuo biográfico. Pode nem sequer tocar nos mais importantes acontecimentos da vida de Philippe Claudel.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só que se estas são as recordações que fisicamente mexem com ele, são das mais intensas que podem sobreviver a qualquer forma de reconstrução das memórias de um indivíduo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Memórias recentes, outras da infância. São o retrato acumulado do homem a par da interrogação do que se seguirá.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ele recorda na sua figura corrente, passando a memória em bruto pelo filtro do conhecimento adquirido. A emoção pensada é o trabalho de escritor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por vezes em apenas duas páginas, Claudel lê o mundo - ou, pelo menos, a França - a partir do que o seu nariz lhe deu a conhecer.</div>
<div style="text-align: justify;">
A sua vida torna-se na possibilidade de retratar o país. O que conheceu, o que habita e o que o espantará.</div>
<div style="text-align: justify;">
Melancolia, crítica e dúvida. Todas estas emoções passam a estar conectadas com as memóras destes perfumes.</div>
<div style="text-align: justify;">
Conhece-se um país na dimensão do autor, ao longo de sessenta e três escolhas de perfumes que não podem ser repetidas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Podem, algumas, ser partilhadas. Pontos de partida em comum das quais o leitor encontrará um caminho próprio quando se conseguir libertar da impressão intensa deixada pelo autor.</div>
<div style="text-align: justify;">
As que são exclusivas da vivência dele, pelo contrário, são capazes de levar o leitor ao mesmo destino e confundir a crença no que pertence a cada um dos envolvidos com o texto.</div>
<div style="text-align: justify;">
O talento de Claudel está em fazer crer que todas elas deveriam ser do leitor. Nasce uma vontade de lhe roubar as memórias.</div>
<div style="text-align: justify;">
Isso vem da transmissão das memórias. Concentradas como os perfumes pois é no lapidar das palavras que elas se estabelecem.</div>
<div style="text-align: justify;">
As memórias deixadas apenas como tal acabariam mortiças. Escrever é o que permite que a memória se concretize. Quem sabe se não leva até a que seja um pouco ficcionalizada...</div>
<div style="text-align: justify;">
Terminar o texto é tornar a memória fugidia definitiva. Definitiva na sua sobrevivência ao Tempo. E definitiva num retrato concretizado à força do labor da escrita.</div>
<div style="text-align: justify;">
O leitor pode permitir-se ficar com algumas destas memórias para si. Acrescentar os detalhes delas às suas próprias memórias.</div>
<div style="text-align: justify;">
Desde que a elas acrescenta a da partilha do autor francês. Associar a grandiosidade a que chega ao odor das páginas onde se imprimiu a tinta.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-H8CXbPed8kE/WyDYA6dXplI/AAAAAAAAHag/Es6zXpheAtUhxWdwVkLkS8uoci_K_2dFACLcBGAs/s1600/Perfumes.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-H8CXbPed8kE/WyDYA6dXplI/AAAAAAAAHag/Es6zXpheAtUhxWdwVkLkS8uoci_K_2dFACLcBGAs/s320/Perfumes.jpg" width="208" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Perfumes (Philippe Claudel)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>sextante Editora</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Abril de 2014</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>160 páginas</i></span></div>
Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-55825525037348606522018-06-04T10:44:00.001+01:002018-06-04T10:44:33.201+01:00Pés cravados no impossível<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-IgHE-kdlCnQ/WxUJ81wfB0I/AAAAAAAAHaI/DDprOUVp-w45G-Lr3rHNbaAK79ZBRo4UwCLcBGAs/s1600/Possid%25C3%25B3nio%2BCachapa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="584" data-original-width="1600" height="232" src="https://1.bp.blogspot.com/-IgHE-kdlCnQ/WxUJ81wfB0I/AAAAAAAAHaI/DDprOUVp-w45G-Lr3rHNbaAK79ZBRo4UwCLcBGAs/s640/Possid%25C3%25B3nio%2BCachapa.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Possidónio Cachapa revê a realidade pelos olhos das possibilidades. O impossível que está logo após a fronteira do real.</div>
<div style="text-align: justify;">
O impossível que pode ser apenas o escapismo com que um personagem lê a sua realidade, para se apaziguar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os traços de esperança para um mundo que tem bastante negrume. Um mundo que é bem português: espera-se que cada vez menos mas duvida-se.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um mundo feito da realidade do isolamento, da pequenez do horizonte e do esquecimento da distância.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma aldeia numa ilha, logo isolada primeiro por terra e depois por mar. Mais recôndita não poderia ser e, por isso, o local onde algo mítico pode acontecer sem que ninguém venha a sabê-lo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ao mesmo tempo o local de onde tantos querem partir para encontrar a chance da vida ao invés da expectativa dos milagres ou das maldições.</div>
<div style="text-align: justify;">
Assim vagueia a história, entre os que ficam agarrados àquele espaço - uns vivos, outros mortos, todos almas rejeitadas - e os que partem com a mente ali regressando.</div>
<div style="text-align: justify;">
A estrutura do próprio livro segue esse deambular, ele próprio por vezes afastando-se por histórias contadas pelos seus personagens.</div>
<div style="text-align: justify;">
Histórias que soam a fantasia, mesmo quando podem ser reais. Histórias distantas das quais a realidade de Kika regressa permeada.</div>
<div style="text-align: justify;">
Daí que o misticismo da história desta menina seja aquilo que prende os personagens à dureza primordial do amor e do ódio.</div>
<div style="text-align: justify;">
De como um e outro se geram e se alimentam, numa dicotomia que é embate e comunhão simultânea.</div>
<div style="text-align: justify;">
Esta duplicidade constante é a essência do que é o livro, falando da carne e do espírito, do escapismo e do inevitável.</div>
<div style="text-align: justify;">
Tudo tão me resumido nessa forma que o destino tem de traçar o caminho, fazendo nascer uma menina milagreira de uma mulher "duvidosa" e cujo pai partiu em busca de algo mais - por certo menos do que ela lhe mostraria.</div>
<div style="text-align: justify;">
O único que admira todos estes - e os demais, secundários que não desprezados - personagens é o autor.</div>
<div style="text-align: justify;">
A todos trata devidamente atribuindo-lhes, inclusivé, formas de falar que os tornam reais, distinguíveis, marcantes...</div>
<div style="text-align: justify;">
Os diálogos são assinaláveis pelos atalhos que encontram para darem dimensão às vozes e identidade aos espaços.</div>
<div style="text-align: justify;">
Possidónio Cahapa escreve buscando a melodia para as suas frases. Sem deixar de primar pela eficácia - que tanto reduz o tamanho do romance.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma prosa a sentir-se poesia. Livre mas sem excessos. Em busca da frase perfeita, que seja exacta no sentido e no som.</div>
<div style="text-align: justify;">
Esse é o desafio maior de toda a escrita. Nem sempre o escritor o alcança. A própria busca consegue tornar a escrita duradoura no ouvido da memória.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-r-NQud-zeY4/Wtdwy9Tu9GI/AAAAAAAAHT4/i2kEY6s3uUIP5VCHCqAt_Xp33lLsbNA7QCLcBGAs/s1600/Viagem%2Bao%2BCora%25C3%25A7%25C3%25A3o%2Bdos%2BP%25C3%25A1ssaros.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-r-NQud-zeY4/Wtdwy9Tu9GI/AAAAAAAAHT4/i2kEY6s3uUIP5VCHCqAt_Xp33lLsbNA7QCLcBGAs/s320/Viagem%2Bao%2BCora%25C3%25A7%25C3%25A3o%2Bdos%2BP%25C3%25A1ssaros.jpg" width="214" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Viagem ao Coração dos Pássaros (Possidónio Cachapa)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Marcador</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Janeiro de 2015</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>176 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-15498537767271185862018-06-02T17:46:00.004+01:002018-06-02T17:46:59.579+01:00Humor do Tempo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-cuLdCGLwgk8/WxLJwHFhARI/AAAAAAAAHZ8/AF2r0dbPhCgN9cotpDaZV1_r4J_9jV5ugCLcBGAs/s1600/Picture1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1168" data-original-width="1600" height="466" src="https://2.bp.blogspot.com/-cuLdCGLwgk8/WxLJwHFhARI/AAAAAAAAHZ8/AF2r0dbPhCgN9cotpDaZV1_r4J_9jV5ugCLcBGAs/s640/Picture1.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
O humor, sobretudo aquele feito à conta do retrato contemporâneo de uma sociedade, é um dos géneros mais difíceis quando envelhece.</div>
<div style="text-align: justify;">
Reencontrar um riso sistemático num livro mais de cem anos depois da sua publicação seria a derradeira prova de que este superou o teste da passagem do tempo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="color: orange;">Lisboa em Camisa</span></b> ainda guarda risos entre as suas páginas e tem a capacidade de entretenimento. A sua principal forma de superar o tempo é outra bem diferente: didactismo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Esta descoberta para muitos (de nós) leitores no século XXI traz ensinamentos de várias índoles que falam do muito tempo que medeia entre a publicação e a leitura.</div>
<div style="text-align: justify;">
Primeiro que tudo, da sociedade tal como ela era no início da década de 1880. satirizada por representação sem acrescentos de maldade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma sociedade fortemente hierarquizada sem que os que são arrogantes para uns tenham noção da ironia de terem de ser subservientes para outros.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um retrato feito no interior de um apartamento e que a partir de uma família caracteriza a própria capital. Uma cidade que se vê como sofisticada mas que sofre do mesmo provincialismo do resto do país.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ou que o acolhe e o faz crescer até se espalhar mais fortemente pelo resto do país. Afinal os personagens chegaram (ou fugiram...) do Algarve mas parecem já Lisboetas de gema.</div>
<div style="text-align: justify;">
Lisboa fica como uma cidade dividida entre o que foi e o que pretende ser, vexada pelos que dela partiram e idolatrada pelos que cá ainda não chegaram.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um local repleto de pessoas à procura da ascensão social feita de apadrinhamentos e aprazimentos, com as vistas sempre colocadas num ideal que não existe senão ao ser construído com as suas próprias acções.</div>
<div style="text-align: justify;">
Este aspecto social de Lisboa terá prevalecido por muito tempo, também porque à sua volta o país não era trazido para diante.</div>
<div style="text-align: justify;">
Disso nos dá conta a adaptação televisiva dos anos 1960, <a href="https://arquivos.rtp.pt/programas/lisboa-em-camisa/#sthash.oAo5ANOY.YVWNtyqt.dpbs">disponível nos Arquivos RTP</a>, que demonstra a validade do retrato durante décadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Vem daí o segundo ensinamento do livro acerca do humor. Não apenas de como o conteúdo prevaleceu mas como a forma antecipava outras expressões populares do humor.</div>
<div style="text-align: justify;">
O folhetim de Gervásio Lobato tem uma cadência episódica dentro de cada capítulo que estimula as peripécias.</div>
<div style="text-align: justify;">
Algumas que se percebem ser gags físicos transmitidos com perícia na sugestão da sua fluência. A dança da vitela no jantar de baptizado fica como o exemplo maior do estilo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nessa escrita se pode antecipar algumas formas da divertida confusão do burlesco cinematográfico, de bandejas atravessando portas para um lado e para o outro, na confusão dos que tentam cumprir com os caprichos alheios.</div>
<div style="text-align: justify;">
Há um sentido teatral que funciona também com os diálogos, onde há discussões por conta de um "s" que se põe ou tira do apelido alheio.</div>
<div style="text-align: justify;">
Diálogos a fazer sobressair os estereótipos observáveis em Lisboa e que tornavam os personagens de um exagero melodramático que se torna patético.</div>
<div style="text-align: justify;">
Personagens que pelo seu papel familiar influenciam o papel social que representam, numa ligação que reforça a pequenez do comportamento social de Lisboa à época.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma força teatral de impacto pouco subtil, para um riso abrangente e popular, devedor do teatro de revista que uns trinta anos antes surgira e que perduraria por quase outros cem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Gervásio Lobato já escrevia sobre os compadres e as comadres que se queriam mostrar de peito feito enquanto diminuíam Lisboa à dimensão do seu bairro ou do seu prédio, para nela se sentirem maiores do que poderiam alguma vez ser.</div>
<div style="text-align: justify;">
Personalidades e formas de humor transmitidas pelo autor após tanto tempo que, como os editores escrevem, ressoam no que a sociedade nacional ainda é mas, sobretudo, fazem ver o difícil caminho que se percorreu para algumas melhorias que acreditamos ver no que agora somos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-5JeICrfWAz8/WtdmNHHqB1I/AAAAAAAAHTY/Y4zvBSKxR6kXjkkPCj4W-CuhxSLBZ4WCQCLcBGAs/s1600/Lisboa%2Bem%2BCamisa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-5JeICrfWAz8/WtdmNHHqB1I/AAAAAAAAHTY/Y4zvBSKxR6kXjkkPCj4W-CuhxSLBZ4WCQCLcBGAs/s320/Lisboa%2Bem%2BCamisa.jpg" width="211" /></a><br />
<div>
</div>
<br />
<i style="font-size: 85%;">Lisboa em Camisa (Gervásio Lobato)</i><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Guerra & Paz</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Julho de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>238 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-5012699849614218512018-03-30T18:29:00.001+01:002018-03-30T19:12:29.673+01:00História demasiado completa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-Z2a46Ph7h54/Wr5zwBweksI/AAAAAAAAHSk/QbAspTgs4sEpn4c2KU_uYOet6VZscAWRwCLcBGAs/s1600/lion%2Bcomboio%2Bbanner.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://1.bp.blogspot.com/-Z2a46Ph7h54/Wr5zwBweksI/AAAAAAAAHSk/QbAspTgs4sEpn4c2KU_uYOet6VZscAWRwCLcBGAs/s640/lion%2Bcomboio%2Bbanner.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há uma história inacreditável no cerne deste livro. A substância do que vai sendo agregado em torno dessa história é que não tem a capacidade para a sublinhar devidamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
O relato tem a força dos acontecimentos a seu favor, daqueles acasos que transformam a vida num percurso que ascenda da tragédia à conquista.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um rapaz que aos cinco anos se perdeu da sua família numa Índia pobre e analfabeta consegue, vinte e cinco anos depois, recuperar a sua origem baseando-se numa memória longínqua e numa inovação tecnológia que acabara de mapear até as regiões mais inacessíveis do mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
São dois momentos numa vida que, pelo meio, não tem nem a urgência nem a intensidade desses instantes que a balizam.</div>
<div style="text-align: justify;">
Saroo Brierley não tem uma história de vida para contar, tem um arco narrativo que suplanta tudo o resto que a sua vida foi. Espera-se que não o suplante de tal maneira que o impeça de viver um futuro de sucessos.</div>
<div style="text-align: justify;">
As suas fortes impressões da Índia - e apesar da idade com que de lá saiu - são uma leitura intensa. Os momentos finais da sua busca (depois do fastidioso trabalho de sapa) têm o efeito de satisfatória surpresa que se espera.</div>
<div style="text-align: justify;">
Já o percurso pessoal de Brierley depois de adoptado não tem tanta tensão dramática como ele julga. O rasgão que ocorreu no tecido da sua vida não parece ser tão penoso como o do seu irmão, por exemplo.</div>
<div style="text-align: justify;">
O drama do seu crescimento é mais criado por ele próprio, numa prova de que as infâncias (e adolescências) são felizes <i>a posteriori</i>. No momento os problemas de si mesmo são assoberbantes.</div>
<div style="text-align: justify;">
Isso não torna a sua história menos significativa, apenas não torna significativo o tempo que separa a brutalidade do arrebatamento.</div>
<div style="text-align: justify;">
O foco devia vir do exterior para bem contar esta história. Para lhe retirar a componente emocional que não permite a Brierley ver aquilo que não importa ao resultado final.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sobretudo, para dar paralelismo ao que a tecnologia permitiu alcançar perante um mundo ainda com tantos sem conhecimentos e recursos que os leitores já tomam por básicos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Este deveria ser o relato de como uma única vida permitiu ver o que o avanço do conhecimento humano permitiu alcançar.</div>
<div style="text-align: justify;">
A história de Brierley foi escrita recorrendo à ajuda de um <i>ghost writer</i>. Reconheça-se que o trabalho dele foi bem feito na medida em que não parece ter transformado em demasia o relato.</div>
<div style="text-align: justify;">
O mesmo soa ainda a uma forma de transposição para escrita de alguém habituado a contá-lo e não está embelezado. Isto significa que não há grande valor literário na leitura.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por mais que esta história de vida seja aquilo que se tende a classificar como um "milagre do século XXI", o seu interesse não está na forma como este livro a traça.</div>
<div style="text-align: justify;">
Estaria no que esse homem fez de uma tecnologia que ainda não se sabia que possibilidades trazia. Por consequência, estaria no que essa tecnologia pode ajudar a trazer a um mundo ainda coberto pela escuridão do desconhecimento.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-p1fdAD909PY/Wgb7D4sooaI/AAAAAAAAHEA/vGTWu-F_oLcXH29BVVUZZxQXd_g5Vw3RgCLcBGAs/s1600/A%2Blonga%2Bestrada%2Bpara%2Bcasa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-p1fdAD909PY/Wgb7D4sooaI/AAAAAAAAHEA/vGTWu-F_oLcXH29BVVUZZxQXd_g5Vw3RgCLcBGAs/s320/A%2Blonga%2Bestrada%2Bpara%2Bcasa.jpg" width="210" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>A Longa Estrada para Casa (Saroo Brierley)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Editorial Presença</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Agosto de 2015</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>208 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-58252506766113251702017-11-14T15:00:00.000+00:002017-11-14T15:02:52.481+00:00Admiração e crítica<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-HlWCWMJHO1I/WgsEZGm_gkI/AAAAAAAAHE8/mNX483TGH7E8MI-Vpfq8mZEhtiNIZwWQgCLcBGAs/s1600/Lamento%2Bde%2Buma%2BAm%25C3%25A9rica%2Bem%2BRu%25C3%25ADnas.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" src="https://1.bp.blogspot.com/-HlWCWMJHO1I/WgsEZGm_gkI/AAAAAAAAHE8/mNX483TGH7E8MI-Vpfq8mZEhtiNIZwWQgCLcBGAs/s640/Lamento%2Bde%2Buma%2BAm%25C3%25A9rica%2Bem%2BRu%25C3%25ADnas.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Foto de Bertien van Manen</i></td></tr>
</tbody></table>
<a name='more'></a><div style="text-align: justify;">
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sente-se como injustiça a tradução do título do livro de J. D. Vance como <b><span style="color: orange;">Lamento de uma América em Ruínas</span></b>.</div>
<div style="text-align: justify;">
A desaparição da respeitosa poesia do título original é secundária em relação ao julgamento que ele estabelece em quem lhe pegue.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um julgamento de carácter europeu, daqueles que apenas entendiam a América cosmopolita, cuja afinidade maior é com o próprio Velho Continente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não se lê no livro a intenção do autor em acusar a <i>sociedade em crise</i> do subtítulo. Expô-la ao entendimento do restante do país - e, depois da eleição de há um ano, restante do mundo - isso sim.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até porque o retrato da sociedade em crise, vem por associação à outra metade do que refere o subtítulo.</div>
<div style="text-align: justify;">
A família de Vance é o tema maior do livro, feito dos vícios dos pais e da grandeza dos avós. Os primeiros figuras asquerosas. Os segundos - especialmente a matriarca - extraordinários.</div>
<div style="text-align: justify;">
Da família dele partir-se-á para o resumo daquele conjunto de pequenas comunidades que se repetem até constituírem o <i>Rust Belt</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Entre as características que se destacam nos seus estão o arreigado sentido de pertença, a permanente lealdade à família (que sendo extensa é, muitas vezes, quase toda a comunidade) e a feroz independência para com as formas de poder.<br />
A família dele não mostra apenas o lado bom deste isolamento em defesa própria, mas mostra sobretudo algumas das boas consequências delas ou não tivesse Vance tornado-se advogado via Yale.<br />
A figura impositiva e motivadora da avó, que o protegeu do lado mais pernicioso daquela cultura muito contribuiu para isso. No entanto é o próprio a admitir que depois necessitou da estrutura proporcionada pelos marines para atingir o potencial da sua inteligência interessada.<br />
Constata-se que é uma estabilidade prolongada que lhe permite fazer uso daquela ferocidade saloia para se impôr num mundo para lá da faixa de território a que estava confinado inicialmente.<br />
Vem daí a riqueza da perspectiva de J. D. Vance, dele ter conseguido atravessar a brecha entre classes sociais e se aglutinarem nele as duas faces dos Estados Unidos que agora conhecemos.<br />
Já não é apenas o "saloio". Continua a amar aquela comunidade, mas a admiração não vem sem um sentido crítico.<br />
Tough love que ele dirige a quem ele sabe que pode alcançar mais, assim uns queiram e outros os deixem.</div>
<div style="text-align: justify;">
J. D. Vance reconhece os problemas que causam as características admiráveis de que os seus avós fizeram armas para o bem dele.<br />
A pertença torna-se numa recusa da mudança estrutural quando o território se tornou ermo de oportunidades.<br />
A lealdade torna-se na incapacidade para compreender as característica da nova América que continua a progredir.<br />
A independência torna-se numa incapacidade para aceitar as devidas intervenções que o<br />
Nada disto é absoluto e Vance aborda a preguiça que se impôs aquando da perda dos trabalhos que eram a coluna vertebral dos Estados Unidos.<br />
Este é o ponto em que se começam a notar as contradições internas dos que clamam por mudanças sem fazer algo para isso.<br />
Há uma crítica que se sente ser mais feroz quando fala dos que se recusam a lutar em benefício próprio e preferem repetir lamentos por um passado próspero que, em certos casos, nem chegaram a conhecer.<br />
Uma crítica que atinge o seu píncaro quando se vira para o aproveitamento dos subsídios estatais por parte de matriarcas que procriam com regularidade apenas para garantir os cheques da segurança social.<br />
A aceitação muda desta situação para o exterior difere da crítica interna a esta rendição. A lealdade social torna-se cumplicidade.<br />
Como estas contradições ocorrem a nível local, assim elas se manifestam como um todo mais significativa naquela faixa de Estados Unidos.<br />
O <i>Rust Belt</i> que agora votou em Donald Trump, votou por duas vezes em Obama. O autor alega que o fizeram apesar da diferença que sentiam para ele e os atemorizava.<br />
Obama era um homem com uma vida estruturada como eles nunca conseguiriam alcançar. Um homem com Educação, com um trabalho de aprumo e com uma família exemplar.<br />
Há neste povo a busca, para a posição de poder, de uma personalidade que seja o mais diferente da sua. Se possível diferentes entre si regularmente.<br />
Neste pedaço dos Estados Unidos, elegeu-se George W. Bush, Barack Obama e, agora, Donald Trump. Sempre os candidatos de personalidade mais impositiva - amedrontante para os <i>hillbillies </i>- mesmo se não a melhor para o futuro deles.<br />
Homens com um legado em nome próprio, mesmo quando inseridos numa família. Homens (aparentemente) bem sucedidos apesar das más fundações em que assentam: as falências dos dois Republicanos e a situação familiar do Democrata.</div>
<div style="text-align: justify;">
Perante isto, não é definitivo que a surpresa (nossa, pois há que lembrar que até Michael Moore alertou para ela) esteja explicada neste livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mais certo é ele abrir dúvidas sobre o que se passará daqui por três anos, aquando das novas eleições presidenciais.</div>
<div style="text-align: justify;">
O risco corrido na mudança pela mudança pode ser facilmente mudado se houver um candidato mais interessante a opôr-se ao actual presidente americano, pois há que lembrar que no <i>Rust Belt</i> ambos os anteriores candidatos tinham taxas de desaprovação maiores do que as de aprovação.</div>
<div style="text-align: justify;">
Esse é um tema para acompanhar nos jornais. Este livro não quer ter fazer essa análise, apenas dá novas bases aos que queiram pensar este asssunto.</div>
<div style="text-align: justify;">
Este é um livro emocional, uma viagem política a uma geografia que nos era desconhecida, feita através dos meandros da família.</div>
<div style="text-align: justify;">
A sinceridade de J. D. Vance com a história dos seus é aquilo com que ele conquista leitores e lhes dá lições que se desprendem do tema central sem o texto ser direccionado para tal.</div>
<div style="text-align: justify;">
Este é um livro que beneficiou da conjectura para atingir mais leitores. Seria uma belíssima leitura que se fazia acompanhar de um ganho de consciência mesmo sem isso.</div>
<br />
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-5bgJ3i8JLwQ/WZavQAqN9BI/AAAAAAAAG7A/mbT4KFMxd4I3LTKffyExwFQJbW1jCKL9gCLcBGAs/s1600/Lamento%2Bde%2Buma%2BAm%25C3%25A9rica%2Bem%2BRu%25C3%25ADnas.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-5bgJ3i8JLwQ/WZavQAqN9BI/AAAAAAAAG7A/mbT4KFMxd4I3LTKffyExwFQJbW1jCKL9gCLcBGAs/s320/Lamento%2Bde%2Buma%2BAm%25C3%25A9rica%2Bem%2BRu%25C3%25ADnas.jpg" width="213" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Lamento de Uma América em Ruínas (J. D. Vance)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Publicações Dom Quixote</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Julho de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>280 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-91578791648071536342017-10-29T08:36:00.000+00:002018-03-30T18:34:26.259+01:00A sensibilidade do leitor<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-5NmoiqCvkYU/WfWRul-XbdI/AAAAAAAAHAc/NZ4DJUgqptU56WzGFTkYWM47U-ePIoLAACLcBGAs/s1600/O%2BLeitor%2Bdo%2BComboio.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="696" src="https://1.bp.blogspot.com/-5NmoiqCvkYU/WfWRul-XbdI/AAAAAAAAHAc/NZ4DJUgqptU56WzGFTkYWM47U-ePIoLAACLcBGAs/s640/O%2BLeitor%2Bdo%2BComboio.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
<br />
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<div style="text-align: justify;">
<b><span style="color: orange;">O Leitor do Comboio</span></b> é um livro confundido na sua identidade. No entanto aquilo que se pode afirmar sem hesitação é que não se trata de um livro acerca do amor aos livros.</div>
<div style="text-align: justify;">
A comercialização deste livro como sendo a expressão escrita da resistência literário no seio da indiferença não é uma falsidade. Apenas uma capitalização do desejo que cada leitor tem de ver defendida a sua cada vez maior raridade por alguém devidamente capacitado.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro torna claro que não são os livros o foco do texto, é o leitor. Ou melhor, o declamador. Um homem que no comboio matinal lê páginas avulsas a uma multidão apática.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que o livro expressa é a importância de um contacto humano, nem que seja por via da voz, tal como fica expresso no facto de duas senhoras se dirigirem ao leitor do título para que ele vá ao lar onde vivem para ler aos idosos da comunidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
A importância da oralidade não se transmite com facilidade e a brevidade com que Didierlaurent trata os sentimentos gerados não permite que se sinta a vitalidade daquela leitura.</div>
<div style="text-align: justify;">
A modulação por parte do leitor e a reacção do público estão ausentes de um texto mais focado nos eventos. Como ausente está a convicção de que uma voz solitária pode mudar as vidas dos outros.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sobretudo tendo em conta que o que é, inicialmente, lido são páginas singulares que ficaram por destruir na trituradora de livros.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não há narrativa consequente ou objectivo a que aspirar para os que ouvem a leitura, apenas a eventual melodia da voz.</div>
<div style="text-align: justify;">
A curiosidade que possa nascer virá do permanente <i>cliffhanger</i> que uma página avulsa gera. Não será para com os livros - impossíveis de encontrar tendo em conta que o leitor não dá qualquer referência e que as páginas provêm de material acabado de destruir.</div>
<div style="text-align: justify;">
Seria uma prova de paixão pelos livros se o protagonista tratasse de os ler às pessoas para os tentar salvar da eminência da destruição.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que ele demonstra com o que faz é que está deprimido com o seu trabalho. Um trabalho que não produz, destrói.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nada indica que ele ame os livros, caso contrário ele interrogar-se-ia sobre se todos os livros merecem ser editados para que os autores corram o risco de ser simbolicamente triturados pela falta de leitores.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sobre se a destruição dos livros para gerar pasta de papel não é parte do normal ciclo de vida dos livros, dos que não tiveram mérito darem lugar a livros que, de outra forma, não veriam a luz dos olhos dos leitores.</div>
<div style="text-align: justify;">
No início do livro Jean-Paul Didierlaurent recorrendo a uma imagética forte e a uma vaga definição de contexto, descreveu uma espécie de distopia onde o conhecimento é destruído.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma tentativa de elevação de uma ideia incial com fraca sustentação e, ao mesmo tempo, uma tentativa do autor fugir à discussão por via da emoção exarcebada que ele sabe que a destruição de livros gera.</div>
<div style="text-align: justify;">
A forma, não o conteúdo, do livro levanta questões sobre a gestão de recursos em função da qualidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até porque aquilo que de mais importante o protagonista lê ao longo do livro são os textos diarísticos de uma higienizadora de casa-de-banho num centro comercial.</div>
<div style="text-align: justify;">
Textos lamentosos de um quotidiano de uma cruel banalidade, de azulejos contados de forma repetitiva e visitas regulares que ela conhece pelos hábitos com que defecam.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quando esses textos surgem, o livro transforma-se numa história de amor por via anónima que acabará num estranho final feliz ao qual o processo inicial de leitura já não tem qualquer ligação.</div>
<div style="text-align: justify;">
A história de amor só aprofunda a noção de que a leitura era a fuga ao ambiente opressivo do seu trabalho, não um desígnio de vida: como o próprio protagonista diz de início, ele não faz a leitura para aquelas pessoas que lhe agradecem...</div>
<div style="text-align: justify;">
O que ele encontra é uma alma-de-trabalhadora gémea. Alguém que lida com merda diariamente, o mesmo que ele vê como produto do processo da máquina.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor insiste obsessivamente nessa ideia, de que o processo da trituradora é uma digestão de livros de que resulta um horrível dejecto.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ele quer reforçar a sensação de nojo que a máquina causa mas vai longe demais na elaboração das descrições.</div>
<div style="text-align: justify;">
Logo ao capítulo 5, os fiapos acinzentado da Coisa já eram expelidos "sob a forma de grandes cagalhões fumegantes", escusavam por isso de caírem soando a "assustadores peidos húmidos".</div>
<div style="text-align: justify;">
Volta ao mesmo na página 82, quando o protagonista se queixa dos "peidos nauseabundos que a Coisa lhes lançava", martelando a ideia em quem lê em vez de lha sugerir num processo que permitisse uma identificação metafórica à vida de cada um.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor está obrigado a fazer do mundo externo um inferno nauseabundo para que os textos dentro do texto possam sobressair pela sua luminosidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só que esses textos, sobretudo os da apaixonada do protagonista, são demasiado rococós, falsos do esforço em "fazer bonito", para que isso sugira a poesia que salva do cinzentismo.</div>
O esforço não faz com que no livro se infiltre magia no real por via da própria literatura, mesmo se há momentos de enorme humanidade, ao mesmo tempo irreal e trágica.<br />
<div style="text-align: justify;">
Só que se há impressão que o autor deixa a propósito dos seres humanos é a de falta de sensibilidade quando compara uma sessão de <i>speed dating</i> com 7 encontros a uma violação colectiva.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um despropósito maior quando o faz pela voz da sua personagem feminina, ela própria escritora embrionária.</div>
<div style="text-align: justify;">
Se a sensibilidade do leitor do comboio não é afectada por tão mal aplicada comparação, espera-se que sensibilidade do leitor deste livro seja, caso contrário há que perguntar se a leitura chegou a moldar a sua visão do mundo.</div>
<br />
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-2RLoxETOS8g/WfSUJK4TwqI/AAAAAAAAHAM/keUq7MELbgITbTp3ZsCXdiMGUNiqKpN6QCLcBGAs/s1600/O%2BLeitor%2Bdo%2BComboio.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-2RLoxETOS8g/WfSUJK4TwqI/AAAAAAAAHAM/keUq7MELbgITbTp3ZsCXdiMGUNiqKpN6QCLcBGAs/s320/O%2BLeitor%2Bdo%2BComboio.jpg" width="213" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>O Leitor do Comboio (Jean-Paul Didierlaurent)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Clube do Autor</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>2ª edição - Março de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>196 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-76825288088743445862017-10-20T00:26:00.001+01:002017-10-20T00:26:52.502+01:00Flores murchas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-uqhfAZ1s164/Wek0Wy8V0MI/AAAAAAAAG_g/1gKmQP0mAHYewabsFQ6xAhw3Q55RW-o_wCLcBGAs/s1600/O%2BQue%2BViram%2Bas%2BFlores.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" src="https://2.bp.blogspot.com/-uqhfAZ1s164/Wek0Wy8V0MI/AAAAAAAAG_g/1gKmQP0mAHYewabsFQ6xAhw3Q55RW-o_wCLcBGAs/s640/O%2BQue%2BViram%2Bas%2BFlores.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Creio que um bom indicador acerca da falta de qualidade de um livro está na falta de sentido crítico do autor para com o seu próprio trabalho.</div>
<div style="text-align: justify;">
A incapacidade de perceber que se errou na estrutura escolhida, mesmo que tal só seja visível nas últimas páginas, devia condenar um escritor a não ser lido.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não reiniciar o livro quando, a caminho do final, há que adicionar novos narradores - por vezes para capítulos avulso - para alcançar a conclusão é uma falha do labor de escritor.</div>
<div style="text-align: justify;">
No caso específico d'<b><span style="color: orange;">O Que Viram as Flores</span></b> há um único ponto de vista, intermitente entre a idade adolescente e adulta, até que a ignorância da protagonista precisa de ser compensada com o conhecimento de outros intervenientes, secundários até aí.</div>
<div style="text-align: justify;">
A sua súbita relevância é, não só a má solução para os problemas estruturais do livro, é também a reviravolta de uma trama encalhada numa falta de sugestividade ou suspense.</div>
<div style="text-align: justify;">
A história debruça-se sobre a tentativa de provar que um homem condenado à morte é, afinal, inocente. Isso implica muito trabalho de sapa acerca de técnicas forenses com a abdicação das descrições de maior intensidade ou da criação de um ambiente de tensão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não há interesse em detalhar os crimes que deixaram Tessa no topo de uma pilha de cadáveres de jovem raparigas. Nem em percorrer a vida da protagonista do ponto da sua sobrevivência até ao seu presente.</div>
<div style="text-align: justify;">
A Tessa jovem que fala com um psiquiatra e a Tessa adulta errática mas obsessiva nos cuidados com a filha não são identidades conciliáveis numa só personagem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nada torna uma consequência da outra ainda que haja a intenção de afirmar que a personalidade presente seja paranóica devido àquele evento passado.</div>
<div style="text-align: justify;">
As duas duas décadas que as separam ficam vedadas mas com uma maternidade de permeio, algo mais tem de ter moldado a protagonista.</div>
<div style="text-align: justify;">
Julia Heaberlin evita tudo o que lhe exigira aturado trabalho, ao invés preferindo adicionar elementos de atroz vulgaridade que acrescentam páginas e nada mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
O interesse romântico, que deve ser uma inevitabilidade na vida de de qualquer mulher protagonista é um dos mais gritantes. As vozes das outras vítimas ressoando na cabeça da protagonista é outro.</div>
<div style="text-align: justify;">
São elementos que só acrescentam ao número de buracos que a trama tem e que nunca são resolvidos.</div>
<div style="text-align: justify;">
A única tentativa de Heaberlin mostrar a sua dedicação à causa da escrita está na forma como o livro transita constantemente entre os seus tempos narrativos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Essa é, igualmente, a prova final da sua falta de qualidade enquanto o que ela gostaria de ser chamada, escritora.</div>
<div style="text-align: justify;">
O tecido da leitura continuada vai sendo colocado em causa à medida que o cansaço se instala em cima da monotonia arrítmica da história que de <i>thriller</i> nada tem.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que viram os editores neste texto é o verdadeiro mistério do livro.</div>
<br />
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-G4z17VSGGtw/WekKWvMmXPI/AAAAAAAAG-0/Wp3YUuwPN-YuZUw8Qzj1Bi7cffVYGXtlwCLcBGAs/s1600/O%2BQue%2BViram%2Bas%2BFlores.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-G4z17VSGGtw/WekKWvMmXPI/AAAAAAAAG-0/Wp3YUuwPN-YuZUw8Qzj1Bi7cffVYGXtlwCLcBGAs/s320/O%2BQue%2BViram%2Bas%2BFlores.jpg" width="203" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>O Que Viram as Flores (Julia Heaberlin)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Bertrand Editora</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Maio de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>376 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-89989286730360539842017-10-10T23:45:00.001+01:002017-10-13T10:53:38.051+01:00De imperial, nada<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-MiXrFW4GllQ/Wd1NGY8x8MI/AAAAAAAAG94/nBMPwfTO3VQWKdIEVRONy8CHpLXKKxtGACLcBGAs/s1600/Napole%25C3%25A3o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://1.bp.blogspot.com/-MiXrFW4GllQ/Wd1NGY8x8MI/AAAAAAAAG94/nBMPwfTO3VQWKdIEVRONy8CHpLXKKxtGACLcBGAs/s640/Napole%25C3%25A3o.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<div style="text-align: justify;">
<a href="http://letras-sem-fundo.blogspot.pt/2014/08/humor-sem-pertinencia.html">Depois de Hitler</a>, Napoleão chega ao século XXI para abordar os problemas políticos de França, com maior incidência no terrorismo perpetado pelo Estado Islâmico.</div>
<div style="text-align: justify;">
Resgatado ao gelo ainda na plenitude da vida, qual Capitão América que em vez de um escudo leva o seu cavalo, ele encontra um mundo cheio de possibilidades em que se torna perito tanto quanto se vê assoberbado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Escrevendo o seu próprio papel para o século XXI, é o de quem vem salvar a política do seu cobarde marasmo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Fica longe de aceite tal ideia como a melhor base para um livro e Romain Puértolas não parece intentar em prová-la.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ao contrário de Hitler, e apesar dos seus muitos traços implacáveis, Napoleão continua a ser admirado por muitos franceses.</div>
<div style="text-align: justify;">
De tal maneira que o novo presidente do hexágono tenha tido de ler uma abundância de artigos que listava as razões pelas quais Emmanuel Macron era comparável a, quando não se tornava de facto o novo Napoleão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Daí que o Imperador não sirva os mesmos propósitos que Hitler, não levando ao confronto da modernidade com a dúvida moral do ressurgimento do Passado ideológico.</div>
<div style="text-align: justify;">
Napoleão é uma ferramenta para que Puértolas reforce o sentido de persistência dos franceses face ao mal: continuar a desfrutar da vida, usufruindo até ao limite dos prazeres da cultura popular do mundo ocidental.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um limite que o livro testa nos seus contornos mais irracionais, colocando Napoleão numa t-shirt da Shakira e a beber Coca-Cola Light como se fosse um raro champanhe negro.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor opta por assumir por completo o humor que ele julga que seja do absurdo, mas quando chega a esse patamar já nada tem de humor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os seus esforços em torno e Napoleão desembocam no lugar-comum do humor feito à conta do personagem e, para aumentar a ofensa, tornando as piadas repetitivas.<br />
Ataques ao tamanho do pénis do Imperador não são nada de novo e o autor nada consegue acrescentar de interessante à história bizarra que é a "vida" de tal membro desde o seu corte durante a autópsia ao corpo.<br />
Se o hospital psiquiátrico é uma paragem obrigatória para quem alega ser Napoleão, o contrário deveria ser dito de um autor que procure alguma originalidade, mesmo num divertimento inconsequente.<br />
O acrescento daquele exército de dançarinas, varredores de rua e outros <i>freaks</i> pós-modernos é a forma do autor trazer excentricidade a uma historieta de peixe fora de água que ele reconhece ser limitada.<br />
Nenhum arroubo acontece por conta desse grupo terno de tão patético, apenas ajudando a encaminhar Napoleão para o seu plano de sucesso improvável mas que curará o mundo do cancro do extremismo.<br />
Um comentário sobre a política moderna e a sua capacidade de pensar fora dos parâmetros habituais. Houvesse Romain Puértolas seguido este seu comentário...</div>
<div style="text-align: justify;">
Colocando este livro ao lado do de Timur Vermes, o início de um padrão surge, o da incapacidade de coerentemente repensar o personagem revivente.<br />
Como peixe fora de água, o Imperador permanecerá sempre um pouco tolo, não compreendendo algumas das mais básicas relações modernas até que o livro acabe.<br />
Para servir a trama, pelo contrário, tem de ser dado como um dos mais inteligentes seres alguma vez a pisar terras gaulesas, capaz de compreender toda a política do Médio Oriente numa única leitura de página da Wikipédia.<br />
A inconsistênca ora serve o avanço da (espécie de ) trama, ora serve a introdução de humor quando o ritmo esmorece. Nunca poderia servir o próprio personagem e, em consequência, um propósito do livro - se fosse descoberto!<br />
Outros defeitos tornam-se graves sem a protecção do riso libertador do sentido crítico, sobretudo no que toca às notas de rodapé.<br />
O autor arrisca usar as notas de rodapé para fazer humor. Apenas por duas vezes em todo o livro, o que faz da ideia uma anormalidade e não uma forma mais de experimentação.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma dessas notas de rodapé até passa por um piscar de olhos ao leitor, a outra é apenas um aparte a despropósito, falho no tom e que está no limite da ofensa à inteligência do leitor.<br />
Causar problemas com as notas de rodapé não é exclusivo do autor. A tradutora abusa no número usado, tornando-as intrusivas à leitura em vez de úteis.<br />
Pior, demonsta que não confia na inteligência dos leitores, tendo de lhes explicar um trocadilho óbvio entre <i>eBay</i> e <i>abeille</i> (palavra que a tradutora até deixou no original).<br />
Ou dando informação que é dedutível, como o facto do Hospital Sainte-Anne se dedicar à psiquiatria quando para lá enviam... alguém que se diz Napoleão.<br />
Este último um caso em que o ritmo da leitura é interrompido no momento em que há uma tentativa de fazer humor com um lugar-comum, chamando atenção redobrada para a sua previsibilidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
A sensibilidade da tradutora para esta questão terá de melhorar. O resto do seu trabalho não merece reparo, garantindo uma leitura escorreita.<br />
Ela permite que se veja que é do autor a subscrição da famosa tirada de Napoleão. Que na literatura, como na política, a estupidez não é um empecilho. Se calhar, para garantir o sucesso, até é a virtude necessária.</div>
<br />
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-bhbB-UcKANg/WZa7MhTEt1I/AAAAAAAAG7Q/8yjZ5mzuWRsgMzj_rfFL45y3CcLNOjTUgCLcBGAs/s1600/Re-Viva%2Bo%2BImperador%2521.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-bhbB-UcKANg/WZa7MhTEt1I/AAAAAAAAG7Q/8yjZ5mzuWRsgMzj_rfFL45y3CcLNOjTUgCLcBGAs/s320/Re-Viva%2Bo%2BImperador%2521.jpg" width="207" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Re-Viva o Imperador! (Romain Puértolas)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Porto Editora</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Maio de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>280 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-50567336461326873992017-07-30T20:00:00.000+01:002017-11-14T23:38:14.010+00:00A morte do artista<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-a-t9KXsxgUw/WX4sdbu4oSI/AAAAAAAAG6k/1-iBE291ZcAUCObzaAxwx1haddtSaCkRgCLcBGAs/s1600/Picture1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1600" height="360" src="https://4.bp.blogspot.com/-a-t9KXsxgUw/WX4sdbu4oSI/AAAAAAAAG6k/1-iBE291ZcAUCObzaAxwx1haddtSaCkRgCLcBGAs/s640/Picture1.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<div style="text-align: justify;">
Aquilo que vai passando por <i>thriller</i> psicológico não é mais do que o velho romance de faca e alguidar levado ao extremo por personagens que perderam qualquer restrição moral.</div>
<div style="text-align: justify;">
Do tédio com a relação passam directamente à cogitação sobre o assassinato do amante. De qualquer contrariedade fazem razão para uma vingança.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por vezes nem basta que os personagens sejam declarados sociopatas, têm de progredir para vilões antológicos, daqueles com planos tão complexos que implicam matar um, incriminar outro e ludibriar os restantes.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro tem de ser uma escalada de sangue e maldade que permita que haja uma emoção constantemente atiçada, a surpresa pelo impossível que o autor acaba de materializar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só que essa surpresa, muitas vezes, deve-se à incredulidade das escolhas do autor e da falta de qualidade das reviravoltas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Reviravoltas que já não o são. Pois se a única opção para manter o interesse da história é optar pelo caminho mais extremo, então qualquer leitor tem capacidade de roubar esse papel ao autor e fazer a correcta previsão do que está por vir.</div>
<div style="text-align: justify;">
Tudo isto para começar a abordar <b><span style="color: orange;">Aqueles que Merecem Morrer</span></b>, um título português terrível que sugere precisamente o oposto do original.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro até começa bem, roubando (em jeito de homenagem, quer-se acreditar) d'<b><span style="color: orange;">O Desconhecido do Norte Expresso</span></b>.<br />
O restante é apenas Peter Swanson a provar que não aprendeu nada com Patricia Highsmith ou com Raymond Chandler e Alfred Hitchcock que levaram o livro ao cinema.<br />
À medida que quatro das personagens deste livro decidem que o assassinato é a solução para si (a quinta só não o faz porque é o detective de serviço...) não há qualquer interrogação sobre os actos que tomam.<br />
Por isso quando uma mulher quer assassinar o homem com quem casou porque não gosta que ele ressone (e um acordo pré-nupcial, à mistura) não há hesitações.<br />
Por isso quando ela seduz o empreiteiro da sua casa de praia e o convence de que podem herdar a fortuna do marido, não há hesitações.<br />
Por isso quando o marido, ao se saber traído, desabafa com uma desconhecida num bar de aeroporto que o convence que ele próprio deve matar a mulher porque ela foi cruel, não há hesitações.<br />
Por isso quando essa desconhecida se revela uma assassina experimentada que se apaixonou pelo homem que conheceu naquele bar e que, por isso, vai em busca de vingança, não há hesitações.<br />
Não há hesitações na trama. Há muitas no leitor que encara a coincidência de tão exageradas personalidades se cruzarem no mesmo instante temporal para depois vir a descobrir outras relações implausíveis no passado dos personagens.<br />
Se isso fosse o que maior desconfiança traz, seria o leitor afortunado ainda assim. Há que falar da estrutura narrativa que o autor cria.<br />
Existem cinco personagens, logo, existem cinco pontos de vista que narram capítulos conforme é necessário.<br />
Durante a primeira parte do livro, no entanto, apenas dois pontos de vista são usados, o do marido e da mulher que ele conhece no bar.<br />
Os outros surgem a posteriori porque o autor se enfia num beco sem saída e necessita de continuar a contar a história tendo perdido um dos personagens em cujo ponto de vista dependia.<br />
A opção de assim proceder é tão má que deveria ter levado o autor a reiniciar o livro mas ele preferiu continuar adiante e esbarrar com o muro que lhe cortava o caminho.<br />
O resultado é que no final dessa primeira parte do livro, o autor obriga o personagem a narrar a sua própria morte - e não em directo, mas no passado. Que sugere uma narração imediata dos eventos mas, ainda assim, passado.<br />
Não contente com este absurdo que deveria logo condenar o livro a não ser publicado, o autor repete a façanha na passagem da segunda à terceira parte do livro.<br />
Ora se isto não impediu o livro de se tornar <i>bestseller</i> do Sunday Times, então também não seria a banalidade do estilo de escrita ou a falta de diferenciação entre as vozes dos vários protagonistas a fazê-lo, por isso não se alonga a crítica no que são pecadilhos por comparação.</div>
<br />
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-UPb2PNq3r9E/WX3FVV_AL2I/AAAAAAAAG6U/d2oMthq-yC4X7GkeXnDeJze_kKkfR0itACLcBGAs/s1600/Aqueles%2BQue%2BMerecem%2BMorrer.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-UPb2PNq3r9E/WX3FVV_AL2I/AAAAAAAAG6U/d2oMthq-yC4X7GkeXnDeJze_kKkfR0itACLcBGAs/s320/Aqueles%2BQue%2BMerecem%2BMorrer.jpg" width="208" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Aqueles Que Merecem Morrer (Peter Swanson)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Editorial Presença</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Maio de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>280 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-74697937187732615322017-07-23T21:25:00.001+01:002017-10-13T10:50:13.151+01:00Ficar em dívida<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/--4Q1BUCAuAE/WXUGJ1w7LpI/AAAAAAAAG50/R8FKPjChrPAxqbPfnxpc7OkLcYQDGBrWwCLcBGAs/s1600/A%2Bfactura.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="993" data-original-width="1488" height="426" src="https://4.bp.blogspot.com/--4Q1BUCAuAE/WXUGJ1w7LpI/AAAAAAAAG50/R8FKPjChrPAxqbPfnxpc7OkLcYQDGBrWwCLcBGAs/s640/A%2Bfactura.png" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há que retornar à felicidade e à simplicidade com que ela foi transformada em algo mensurável para falar d'<b><span style="color: orange;">A factura</span></b>, o livro em que um anónimo cidadão sueco enfrenta a cobrança por tudo aquilo que usufruiu na sua vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um conceito aplicado ao indivíduo que parece derivado de um capitalismo que vive da dívida dos países: pelas regalias que cada um desfrutou, haverá de pagar de forma substancial.</div>
<div style="text-align: justify;">
Jonas Karlsson vem mostrar como o Relatório Mundial da Felicidade se pode tornar numa ferramenta de cobranças.</div>
<div style="text-align: justify;">
Afinal as siglas do Fundo Monetário Internacional e daquilo que David Machado chamou <b><a href="http://letras-sem-fundo.blogspot.pt/2017/07/felizes-os-que-se-medem.html"><span style="color: orange;">Índice Médio de Felicidade</span></a></b> são o reflexo uma da outra...</div>
<div style="text-align: justify;">
Confrontam-se o indivíduo e o sistema. O primeiro sem compreender como a vida que vê como medíocre pode ascender à maior dívida do país, o segundo sem compreender como podem ter encontrado alguém que vive uma vida tão satisfeita sem que lhe tenha sido dado algo mais do que aos restantes.</div>
<div style="text-align: justify;">
O problema para o sistema é ter encontrado alguém que, nos parâmetros da sua medição, está no topo da escala de felicidade quando, ao mesmo tempo, tem tão pouco para mostrar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um apartamento arrendado, um trabalho com que só sustenta o prazer cinéfilo e um amor de que já só resta a memória.</div>
<div style="text-align: justify;">
Embora não enfrente grandes dificuldades na sua vida, não tem um sucesso significativo. Aguarda que algo melhor venha na sua direcção, não faz nada para o perseguir.</div>
<div style="text-align: justify;">
Simplesmente vive no contentamento daquilo que pode ter, aproveitando um gelado como a grande recompensa do seu continuado esforço em viver.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não se trata de um optimista absoluto como <a href="http://letras-sem-fundo.blogspot.pt/2017/07/felizes-os-que-se-medem.html">o protagonista que David Machado imaginou</a>, é alguém que perante o peso da consciência súbita de ter uma dívida incomportável se distrai com a descoberta de uma divertida forma de brincar com o ar que lhe enche as bochechas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Isso permite que Jonas Karlsson trate que o seu protagonista faça um pouco daquilo que se assinalava em falta no livro de Machado, confrontar-se com a forma como julga a sua própria vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
A sua tentativa de compreensão de como a sua dívida é tão grande faz-se através dessa reflexão sobre se avaliou a sua vida com suficiente <i>gravitas</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ele reconhece que terá mentido no inquérito que lhe enviaram, que fez da sua vida um pouco mais excitante do que ele próprio a achava para parecer melhor perante os que o julgariam.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só que este protagonista é um descomprometido até com a consciência de si próprio e ao falar destas novas ideias com o seu contacto na empresa que lhe cobra tanto dinheiro, ele próprio as vai esquecendo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda que a mulher do outro lado da linha de telefone descubra nos seus desabafos informação que lhe duplica a gigantesca dívida, ele não teme isso e vai formando uma paixoneta por aquela voz de que pouco mais sabe.</div>
<div style="text-align: justify;">
O protagonista é, até certo ponto, frustrante para quem sente necessidade de julgar a vida com mais cuidado, o que neste caso é frustrante para aquilo que o livro não chega a perseguir até uma conclusão mais satisfatória.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro dá ao protagonista uma (dupla) recompensa por este rejeitar uma crescente preocupação que acompanhe o crescente tecto da dívida que lhe é impossível pagar. Um final satisfatório para o fundo de contestação que quase todos têm perante a ditadura empresarial.</div>
<div style="text-align: justify;">
Segue uma linha que é própria do filme romântico - ou não fosse o Karlsson, primeiramente, actor - e que referencia o próprio cinema para demonstrar que os longos mas discretos olhares românticos que um vê numa cena podem, para outro, ser apenas um plano que durou tempo demais. Sem que nenhuma esteja errado ou tenha de rejeitar a concepção (de vida...) do outro. Pelo contrário, gostando do contraste.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em vez de aprofundar os temas que aborda o autor prefere demonstrar que cada um deve manter-se fiel à sua própria identidade e isso acabará por ser recompensado com uma vida que o satisfaça.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em vez de desacomodar o leitor, o livro traz conforto, o que é compreensível visto que a premissa de Karlsson não aguenta um escrutínio detalhado, nem mesmo num romance de breve fôlego como este.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso mesmo é que o seu protagonista é um alheado, que falha em saber da cobrança geral pela televisão ou pela internet.</div>
<div style="text-align: justify;">
Caso contrário ele próprio não poderia ser um elemento de certa inocência enfrentando um sistema que não compreende a sua forma de ser, personagem que é uma simplificação Kafkiana.</div>
<div style="text-align: justify;">
Este é um homem em boa parte inconsciente acerca do que o rodeia, mas é na mesma medida alguém com pouco interesse no mundo tal como ele se tornou.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso é que trabalha num moribundo clube de vídeo e preserva uma colecção de impecáveis vinis que para os avaliadores dos seus rendimento não têm qualquer valor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Aqui estaria algo que Karlsson devia ter procurado ao invés de derivar para o lado romântico, um desagrado com a forma como a felicidade, tal como os objectos, pode ser julgada no seu valor por desentendidos da matéria.</div>
<div style="text-align: justify;">
Se ninguém conhece uma vida senão quem a viveu, a sua avaliação só poderá vir daí e, mesmo assim, o grau de felicidade própria só poderá ser julgado com poucos erros à distância, talvez no momento do último suspiro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só a mensagem da espera profunda é demasiado triste e estes livros que querem falar da medida da felicidade querem conseguir aumentá-la no seu final. O que não chega a ser suficiente.</div>
<br />
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-1RJGAZhS49s/WXTtlfav5gI/AAAAAAAAG5k/HU7i6OUxtQAYf2ViTuy5KUu97pHaWjVHwCLcBGAs/s1600/A%2Bfactura.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-1RJGAZhS49s/WXTtlfav5gI/AAAAAAAAG5k/HU7i6OUxtQAYf2ViTuy5KUu97pHaWjVHwCLcBGAs/s320/A%2Bfactura.jpg" width="206" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>A factura (Jonas Karlssson)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Alfaguara Portugal</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Julho de 2016</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>168 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-62541347438460794752017-07-17T21:52:00.000+01:002017-07-17T21:52:26.743+01:00Grandeza do que é ridículo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-94AQhG9-k70/WW0ie0MYUKI/AAAAAAAAG5Q/wVWhEjMaftErjG_wnIdO1n4tYiLrmWaIQCLcBGAs/s1600/As%2BGrandes%2BCartas%2Bde%2BAmor.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="718" data-original-width="956" height="480" src="https://1.bp.blogspot.com/-94AQhG9-k70/WW0ie0MYUKI/AAAAAAAAG5Q/wVWhEjMaftErjG_wnIdO1n4tYiLrmWaIQCLcBGAs/s640/As%2BGrandes%2BCartas%2Bde%2BAmor.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<br />
<div style="text-align: justify;">
Creio que não haja quem não saiba como Álvaro de Campos se manifestou sobre as cartas de amor e, mais importante, sobre "as criaturas que nunca escreveram" uma dessas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com <b><span style="color: orange;">As Grandes Cartas de Amor</span></b>, título que devia deixar cair o "As" para não soar tão definitivo, aprende-se a como criar esse ridículo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Lendo esta selecção descobre-se como a personalidade de cada um dá origem à expressão do seu amor, manifestando-se no que escreve ou na forma como o escreve.</div>
<div style="text-align: justify;">
Karl Marx surpreende elevando o amor por Jenny von Westphalen, filha de um barão, acima do amor ao proletariado como a forma de amor que permite ao homem sê-lo integralmente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Benjamin Franklin, como bom diplomata, estabelece um tratado de paz com Anne-Louise d'Hardancourt Brillon de Jouy, território alheio mas com quem queria relacionar-se de forma mais explícita do que ela permitia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nos casos mais peculiares está a descobrir-se a verdadeira personalidade de quem escreve, incapaz de esconder o seu mundo interior perante a força do amor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os casos de dois escritores são interessantes nesse aspecto pois mostram como as suas identidades estão muito próximas das dos personagens que criaram.</div>
<div style="text-align: justify;">
O amor não correspondido de Charlotte Brontë leva a que a sua carta mostre os traços de romantismo melodramático de <b><span style="color: orange;">Jane Eyre</span></b> e mesmo o seu desespero não a impede de se esforçar literariamente em detalhes que já antecipam o naturalismo de que faria uso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Antoine de Saint-Exupéry teve um pouco mais de sorte com o seu amor, mesmo se a carta que dele lemos é de ruptura. Nela ele continua a exprimir-se com a ternura poética do seu grande sucesso mas, mais do que isso, mostra-se como sendo ele próprio <b><span style="color: orange;">O Principezinho</span></b>, entretanto derrotado pela falha da sua amada.</div>
<div style="text-align: justify;">
Cada leitor terá uma diferente escolha de cartas a individualizar. Por estar familiarizado com o autor ou destinatário; por ser surpreendido pela força de tal carta...</div>
<div style="text-align: justify;">
A leitura integral leva a um convívio com a intimidade alheia - em grande parte de pessoas dignas de nota - que obriga a interrogar a própria.</div>
<div style="text-align: justify;">
Erguem-se dúvidas sobre que comportamentos se assumiriam - ou se assumiram já, quem sabe - em situações semelhantes. Como se erige a admiração pela coragem expressa em cada carta.</div>
<div style="text-align: justify;">
Isso vem do facto do livro se dedicar a cartas individuais, sem procurar as que lhes deram resposta ou contextualizar em detalhe o desprezo a que possam ter sido votadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Impressas isoladamente, mesmo aquelas cartas escritas no seio de uma relação estável, tornam-se acto individual de coragem assim descobertas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um dos intervenientes revela o que lhe vai no coração sem saber se a resposta estará à altura do que expressou ou, sequer, se haverá uma resposta.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não se trata apenas de ver como o protagonista da história de amor expôr o que sente, tem de se enquadrar isso com a espera que vem no seu seguimento.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nestas cartas vê-se um mundo que vai desaparecendo, não tanto estarmos perante uma forma de arte cada vez mais rara num Tempo em que a expressão escrita é breve e directa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mais provavelmente por já não haver quem saiba lidar com as formas do amor aqui expresso, sejam o sereno ou o proibido.</div>
<div style="text-align: justify;">
Abafado por tantos outros pólos de atenção ou transformado em algo de expressão menos poderosa, o Amor tal como existia nestas cartas parece desaparecido.</div>
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Por isso o deleite com uma selecção como esta e, apesar de tudo, trazendo a pequena esperança de que em cem anos haja uma outra selecção de cartas de Amor que traga textos deste século XXI, como as duas cartas ao Amor Eterno com que Rita Ferro e Fernando Correia fecham o livro.</div>
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-LfKFoIEVu0o/WWt57KhOybI/AAAAAAAAG5I/_2WNnq7kqagQcOugS9weATUa54NsmLwIgCLcBGAs/s1600/As%2BGrandes%2BCartas%2Bde%2BAmor.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-LfKFoIEVu0o/WWt57KhOybI/AAAAAAAAG5I/_2WNnq7kqagQcOugS9weATUa54NsmLwIgCLcBGAs/s320/As%2BGrandes%2BCartas%2Bde%2BAmor.jpg" width="214" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>As Grandes Cartas de Amor (Elizabete Agostinho - selecção e coordenação)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Guerra & Paz</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Janeiro de 2016</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>208 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-34159344227286137842017-07-12T16:33:00.000+01:002017-07-12T16:33:01.803+01:00Enredada num nó<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-rw2VZZjdDdw/WWKmNeApV6I/AAAAAAAAG44/QqjTZ5Ak0pQr4vM0lHMFkhkm3tNxRCMTQCLcBGAs/s1600/Slide2.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://2.bp.blogspot.com/-rw2VZZjdDdw/WWKmNeApV6I/AAAAAAAAG44/QqjTZ5Ak0pQr4vM0lHMFkhkm3tNxRCMTQCLcBGAs/s640/Slide2.JPG" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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Já muitas vezes aqui se abordaram os problemas que se colocam aos leitores quando lhes é servido um livro de um ponto avançado da série a que pertence.</div>
<div style="text-align: justify;">
Este livro de Kellerman, o segundo da série a ser publicado por cá, revela alguns mais, daqueles que são imputáveis à autora.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por mais que uma série tenha sucesso, deverá haver um plano autoral que permita um equilíbrio entre a determinação do escritor e as exigências do mercado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Continuar a escrever de forma sistemática sobre os mesmos personagens e dentro do mesmo género acabará por deixar em aberto um número de hipóteses muito limitadas, mesmo se a passagem dos anos é assumida no interior do universo ficcional - por exemplo, Peter Decker chega ao seu sexagésimo aniversário.</div>
<div style="text-align: justify;">
As personalidades e as vidas - sobretudo de um casal - tornam-se constantes e não permitem diversidade nas decisões tomadas. Daí que a autora tenha de acrescentar diversas tramas secundárias para contrariar a modorra interna.</div>
<div style="text-align: justify;">
Muitas dessas tramas debruçam-se sobre assuntos familiares cujo interesse é diminuto perante o mistério que se quer ver resolvido, sobretudo tendo em conta que as dinâmicas pessoais não são familiares ao leitor acabado de chegar à série.</div>
<div style="text-align: justify;">
Claro que todas essas tramas serem para fazer render a escrita e acumular o número de páginas que cumpram com a meta editorial traçada.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um objectivo alcançado também por via das abundantes descrições sobre tópicos mal escolhidos porque inúteis.</div>
<div style="text-align: justify;">
Descrições que se alongam sem interesse e sem objectivo senão o de acumular palavras até o livro ter o tamanho óptimo para o preço marcado e não o tamanho óptimo para a história que contém.</div>
<div style="text-align: justify;">
Da quantidade de páginas assoma a falta de qualidade da escrita, paupérrima de tão descuidada, o que se reflecte intensamente nos diálogos de que o livro tanto depende e que soam ridículos muito mais frequentemente do que resultam.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sinais de que a autora está pressionada e a escrever de forma apressada, sem se aplicar por completo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Comercialmente comprometida e demasiado envolvida com os personagens para se aperceber do mal que lhes vai fazendo.</div>
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A qualidade das duas tramas centrais só acrescenta argumentos a esta tese, pois a geral falta de originalidade no conjunto dos muitos policiais que se publicam leva a concluir que a autora deve já estar a repetir-se dentro das suas duas dezenas de casos que a dupla teve de resolver.</div>
<div style="text-align: justify;">
Evitando as extrapolações, evidencia-se os problemas da construção desta trama, muito lenta na revelação de pistas e sem uma progressão convincente da resolução do caso.</div>
<div style="text-align: justify;">
No seu segmento final o livro desdobra-se em explicações para os 95% de páginas que vieram antes, numa resolução que não depende dos detectives para acontecer e, assim, coloca em causa o seu papel ao longo de todo o livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com conhecimento deste único livro só posso deduzir para a série o tipo de evolução que outras tiveram. Os primeiros livros um pouco hesitantes mas com a centelha de potencial; um conjunto de títulos sólidos no momento em que a autora se sentiu confortável com o material; uma continuada exploração do filão para lá do ponto em que as ideias eram boas e a dedicação era enérgica.</div>
<div style="text-align: justify;">
A autora vai forçando a existência da série, cada vez mais tendendo para que o limite da qualidade iguale zero.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até lá haverá a possibilidade de surgir um tomo melhor, abençoado por uma inspiração extemporânea. Mesmo esse não valerá o esforço de continuar a ler livros como este.</div>
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/--K0hSmyble8/WWJKgklUyRI/AAAAAAAAG4o/-lthcx5InVIDwLvxD4u2SNYyQoUULGrvgCLcBGAs/s1600/O%2BEnforcado.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/--K0hSmyble8/WWJKgklUyRI/AAAAAAAAG4o/-lthcx5InVIDwLvxD4u2SNYyQoUULGrvgCLcBGAs/s320/O%2BEnforcado.jpg" width="221" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>O Enforcado (Faye Kellerman)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>HarperCollins</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Sem indicação da edição - Fevereiro de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>480 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-30976830042997298872017-07-08T23:18:00.001+01:002017-07-08T23:21:40.358+01:00Felizes os que não se medem<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-P8VMapSdJSY/WWFaE_4EYdI/AAAAAAAAG4Y/qea23Ab4qy4Klla4tTfZDAIjPImynITnACLcBGAs/s1600/Presentation1%2B%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://3.bp.blogspot.com/-P8VMapSdJSY/WWFaE_4EYdI/AAAAAAAAG4Y/qea23Ab4qy4Klla4tTfZDAIjPImynITnACLcBGAs/s640/Presentation1%2B%25281%2529.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<div style="text-align: justify;">
Tudo falha na vida de Daniel e ele opta por reger-se por um índice de concepção duvidosa. Isso permite-lhe chegar a uma concretização mental pela qual ele se pode volta a definir enquanto pessoa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um número passa a ser a afirmação do seu espaço contra a mágoa própria e a desconfiança alheia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Algo que ele pode visualizar para si mesmo e vocalizar perante os outros. Algo que torna simples definir a complexidade dos sentimentos - um simplismo que convém aos homens que não se querem avaliar devidamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Rapidamente ele começa a refazer a sua avaliação pessoal, numa progressão numérica que o coloca de forma crescente acima da média do país.</div>
<div style="text-align: justify;">
David Machado cria um protagonista que ele acredita ser, na sua plenitude, optimista e que por esse motivo vai por diante apesar de todos os percalços.</div>
<div style="text-align: justify;">
Daniel não é um optimista de tão grande estirpe, precisa de convencer-se a si próprio do mérito da teimosia em permanecer onde está em vez de se refugiar no seio da família e num reinício menos glamoroso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sempre que coloca o índice da sua felicidade um pouco mais alto está a elogiar o seu próprio espírito e a tentar afirmar-se como extraordinário por, na mesma situação de tantos milhares de pessoas que perderam o emprego e a casa, ele guardar a sua felicidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por esse método ele sente-se um ungido, o que justifica a sua decisão de contrariar qualquer assomo de lógica que tenha.</div>
<div style="text-align: justify;">
Afinal, ser muito feliz num país miserável é muito mais digno de nota do que ser muito feliz num país feliz.</div>
<div style="text-align: justify;">
Há grande probabilidade de, no campo da felicidade, Daniel ser um mitómano e não um verdadeiro optimista mas o estreitamento dessa fronteira fica por explorar ao longo do livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor escolhe um caminho tortuoso para chegar ao final feliz, o que não é suficiente para colocar em causa o carácter simples que ele quer criar para o seu protagonista.</div>
<div style="text-align: justify;">
David Machado segue um outro caminho para trazer corpo ao seu universo, acrescentando peculiaridades aos personagens secundários e lançando-os em pequenas complicações emocionantes até que embarquem na sua grande aventura, a viagem numa carrinha que os leva até à Suíça.</div>
<div style="text-align: justify;">
A viagem que tudo complica antes de tudo compôr e de colocar em evidência o que é essencial à felicidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro vai insuflando os leitores de bons sentimentos que o façam reavaliar a realidade do livro - e, depreende-se, a realidade do Portugal que há data da publicação continuava mergulhado na crise e nas suas consequências.</div>
<div style="text-align: justify;">
Bons sentimentos que tornem as manias irritantes dos personagens em traços que favorecem a nossa simpatia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Que por sua vez serviria para levar à desculpabilização das decisões pouco ajuizadas dos personagens e despropositadas para o carácter deles, ainda que essenciais para fazer andar a trama.</div>
<div style="text-align: justify;">
Tanto quanto David Machado faz da sua escrita ritmo, assim ele usa recursos de manipulação do seu universo pouco consentâneos com uma obra de ficção que com alguma monta quer abordar as dificuldades do país e questionar a configuração que este tem para um pessimismo eterno.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por via do sentimento geral e do estilo - que vai até à forma da aventura essencial que percorre - o livro aproxima-se de alguns filmes americanos: <i>indie</i>, <i>feel-good</i> e <i>quirky</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
A adaptação cinematográfica, cuja estreia se aproxima, só provará a afinidade maior com esse estilo de uma outra linguagem artística que valoriza o direito à elevação do índice médio da felicidade durante a sua duração.</div>
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/-g49JYcm0tOg/WVq79GvLC_I/AAAAAAAAG3s/XciMoCl43vokJ728-2gtAF0197HAD1DeQCLcBGAs/s1600/%25C3%258Dndice%2BM%25C3%25A9dio%2Bde%2BFelicidade.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-g49JYcm0tOg/WVq79GvLC_I/AAAAAAAAG3s/XciMoCl43vokJ728-2gtAF0197HAD1DeQCLcBGAs/s320/%25C3%258Dndice%2BM%25C3%25A9dio%2Bde%2BFelicidade.jpg" width="215" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Índice Médio de Felicidade (David Machado)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Publicações Dom Quixote</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Agosto de 2013</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>256 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-81591147750116276432017-06-30T19:21:00.000+01:002017-06-30T19:21:00.145+01:00Estimular o cérebro<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-w9DaTYzg4L8/WVVt2D4ZqHI/AAAAAAAAG3M/22w2JpQCQWcb9yF-QLnUXp_J5OE2SMHYwCLcBGAs/s1600/Presentation1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://1.bp.blogspot.com/-w9DaTYzg4L8/WVVt2D4ZqHI/AAAAAAAAG3M/22w2JpQCQWcb9yF-QLnUXp_J5OE2SMHYwCLcBGAs/s640/Presentation1.jpg" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<div style="text-align: justify;">
Este é um texto disposto a comunicar de uma forma que abrirá ao leitor as possibilidades do seu tópico.</div>
<div style="text-align: justify;">
Despertando-lhe o interesse pelo tema que desta lição introdutória prosseguirá para manuais de informação mais completa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Deixando-lhe dúvidas que tardarão muitos anos a ser respondidas mas que promoverão a reflexão e a imaginação.</div>
<div style="text-align: justify;">
Como porta de entrada é o melhor livro possível, embora sejam admissíveis as críticas que lhe apontem alguma superficialidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em meras seis lições - uma relação com os episódios da série de que este livro é uma adaptação - não era possível ir além de "umas luzes" , apropriadas à admissão do autor em como está a cativar o leigo.</div>
<div style="text-align: justify;">
O ensinamento vai de nós próprios até àquilo que no futuro poderemos fazer do cérebro, passando pela percepção da realidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor tanto aborda a impressionante estrutura física do cérebro como o funcionamento dos processos que nos permitem ter uma rotina inconsciente que sustenta o corpo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ao longo do livro conhecem-se as limitações da percepção e como a partir delas formamos a nossa memória.</div>
<div style="text-align: justify;">
Se ficamos a conhecer detalhes de como a biologia deste orgão altera os caminhos da vida, também se conhecem detalhes sobre o estado de consciência, aquele que causa a distorção do tempo e pode ser impeditivo de decisões instantâneas com a qualidade dos automatismos existentes no cérebro.</div>
<div style="text-align: justify;">
David Eagleman aborda tópicos que devem ser de interesse para todos os que querem compreender as mudanças que o envelhecimento ou o contexto social trazem à personalidade e à capacidade do cérebro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Depois leva as lições para como a tecnologia permitirá elevar as capacidades do cérebro e, talvez, permitir chegar a níveis de percepção que multiplicam os sentidos humanos e proporcionam uma aproximação a uma verdade mais abrangente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Verdade que nunca deixará de ser única a cada cérebro ou, como o autor expressa essa ideia, sete biliões de cérebros, sete biliões de verdades para o mesmo acontecimento.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma aproximação a tópicos que ficam longe da Biologia e são mais próprios da Filosofia e, até mesmo, da Ficção Científica.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ideias que ficam para reflexão para provar que o muito que se sabe sobre o cérebro é ainda infinitesimal perante aquilo que o cérebro alcança, propositadamente ou por acidente.</div>
<div style="text-align: justify;">
A incorporação de casos verídicos incentiva as interrogações sobre os extremos a que o cérebro pode levar o ser humano. Seja pela demonstração dos esforços que podem ser necessários para que o cérebro tenha um funcionamento normal. Ou pelo relato dos efeitos superlativos que uma conexão diferente pode ter na percepção do mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sejam os tópicos mais comuns ou os mais surpreendente, em todos se reconhece um enorme entusiasmo de tratamento.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em muitos momentos a abordagem é arrebatadora, bem auxiliada por uma escrita cativante e que confia na inteligência do leitor, ainda que laivada pelo hábito palestrante do professor Eagleman.</div>
<div style="text-align: justify;">
As muitas metáforas que ele utiliza demonstram essa procura da coloquialidade e da simplificação das expressões usadas para que a todos sejam acessíveis.</div>
<div style="text-align: justify;">
Reconheça-se que nem todas as metáforas funcionam mas nenhuma delas reduz a exactidão que o autor traz ao que conta.</div>
<div style="text-align: justify;">
Assim atinge a combinação ideal entre o literário e o científico, fulcral para que a divulgação científica seja uma das bases de lançamento de interesses múltiplos.</div>
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<a href="https://2.bp.blogspot.com/-6hHP2htwKtk/WVLmwUM3YEI/AAAAAAAAG2o/v09iZI5e2IEgRbyaVOkWVlVw9YW_Lv1pQCLcBGAs/s1600/O%2BC%25C3%25A9rebro%2B-%2B%25C3%2580%2BDescoberta%2Bde%2BQuem%2BSomos.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-6hHP2htwKtk/WVLmwUM3YEI/AAAAAAAAG2o/v09iZI5e2IEgRbyaVOkWVlVw9YW_Lv1pQCLcBGAs/s320/O%2BC%25C3%25A9rebro%2B-%2B%25C3%2580%2BDescoberta%2Bde%2BQuem%2BSomos.jpg" width="215" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>O Cérebro - À Descoberta de Quem Somos (David Eagleman)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Lua de Papel</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Abril de 2017</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>200 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6523547322577223030.post-86339187712141918862017-06-27T23:35:00.001+01:002017-07-30T17:41:08.145+01:00Mergulho nas trevas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-MKYvLrCYJe8/WVLdX_iKoiI/AAAAAAAAG2Y/ARkCIxrPDxUMInGbfltlGwTeCBCxir0nwCLcBGAs/s1600/Slide2.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://3.bp.blogspot.com/-MKYvLrCYJe8/WVLdX_iKoiI/AAAAAAAAG2Y/ARkCIxrPDxUMInGbfltlGwTeCBCxir0nwCLcBGAs/s640/Slide2.JPG" width="640" /></a></div>
<a name='more'></a><br />
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<b><span style="color: orange;">Lugares Escuros</span></b> é um trabalho fraco em tantos aspectos que custa perceber o que permitiu que fosse publicado. Sobretudo sendo anterior ao livro que foi o sucesso retumbante de Gillian Flynn.</div>
<div style="text-align: justify;">
Começa na forma narrativa, dividida entre uma voz no presente, Libby, e duas no passado, a mãe e o irmão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Flynn quer com o presente mapear o difícil processo de composição de uma vida plena sob o jugo da tragédia enredada na dúvida. Com o passado quer aprofundar a ideia da decomposta dinâmica familiar que deixou marcas em Libby e que pode ter sido a causa dos assassinatos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Este jogo entre tempos mas, sobretudo, entre pontos de vista é um elemento limitante identificado demasiado tarde.</div>
<div style="text-align: justify;">
Cada tempo é uma narrativa independente incapaz de estabelecer a relação de causa e efeito. Ou sequer a relação de suspense.</div>
<div style="text-align: justify;">
O passado não é o mistério que se vai revelando do presente, é apenas a narração por uma via diferente daquilo que haveria de estar a ser descoberto em paralelo a Libby.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os pontos de vista estão desligados entre si por não serem da mesma pessoa e não trazerem revelações à imatura (e não dilacerada) Libby: sobre o que aconteceu e sobre si mesma.</div>
<div style="text-align: justify;">
Enredada na teia dos pontos de vista da família Day, Flynn acaba por ter de recorrer à adição de um capítulo isolado narrado por um personagem que até aí não foi mais do que uma referência breve.</div>
<div style="text-align: justify;">
A única maneira de o fazer existir para o efeito que serve à autora é esse, o que faz dele mais sortudo do que diversas outras personagens com mais presença mas com o mesmo (ausente) grau de elaboração.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não há personagem que não seja composta de forma incompleta, limitadas a um estado emocional primário que não justifica os seus comportamentos.</div>
<div style="text-align: justify;">
A autora anda à procura desse feminismo em que as mulheres podem ser tão horríveis como os homens. Se consegue igualizar os sexos é porque torna todos em personagens egoístas em seu próprio prejuízo e, talvez no único traço aceitável para a vilania, impetuosos sem reflexão prévia ou posterior.</div>
<div style="text-align: justify;">
Surgem para pequenos desvios por caminhos tenebrosos da natureza humana que não têm reflexo na história como um todo, apenas tentar manter questões em aberto sobre a autoria do crime.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os personagens são irracionais em benefício da trama e não se comportam em função de si mesmos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Essa trama morosa e pouco chamativa que se vale de uma revelação que promove ainda mais a consciência da arbitrariedade de comportamentos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Malabarismo de má qualidade para um efeito surpresa de uma categoria que o jargão Inglês bem caracteriza com um <i>she pulled it out of her ass</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma solução em modo múltiplo que surge sem que nada mais do que uma referência lhe tenha sido dirigida ao longo do livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Fosse tudo isto envolto numa ambiência rica e algo poderia ser diferente, mas algumas intensas descrições que pontuam o livro não compensam a secura com que ela trata a linguagem dos personagens e que torna as suas vozes todas iguais.</div>
<div style="text-align: justify;">
No fundo o mergulho nas trevas é alcançado por Gillian Flynn. Apenas não pelo que escreve, pela própria experiência de o ler.</div>
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-KQ5NTmkSykM/WVGc8m_vADI/AAAAAAAAG2I/Wc9JIuXDQg4_qrXo4h9mOXPJLMrJgeWCQCLcBGAs/s1600/Lugares%2BEscuros.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-KQ5NTmkSykM/WVGc8m_vADI/AAAAAAAAG2I/Wc9JIuXDQg4_qrXo4h9mOXPJLMrJgeWCQCLcBGAs/s320/Lugares%2BEscuros.jpg" width="204" /></a><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Lugares Escuros (Gillian Flynn)</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>Bertrand Editora</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>1ª edição - Outubro de 2013</i></span><br />
<span style="font-size: 85%;"><i>416 páginas</i></span>Carlos Antuneshttp://www.blogger.com/profile/08296255031484751322noreply@blogger.com0